A Realidade Escondida

27/11/2012

 

 

Não seria necessário comentários, mas, diante da fabulosa propaganda de Israel sobre sua “reação” a “atos terroristas do Hamas contra seu país e seu povo, corroborada por toda a mídia bandida ocidental, e, em especial, a brasileira, que, jamais, mostram as cenas dos resultados dos ataques israelenses ao povo Palestino, estas imagens irão mostrar muito mais que milhões de palavras.

A força é desproporcional: um detém a décima posição em poder bélico do mundo, sendo uma das mais modernas e bem treinadas forças armadas do planeta, possuindo, além disto, segundo especula-se, cerca de 200 a 400 ogivas nucleares. O outro lado, além foguetes Qassam, de fabricação caseira e sem possuir sistema de direção, atinge cerca de 10 Km do local de lançamento, possui paus e pedras para atirar nos invasores, não tem Força Aérea, Marinha ou Aeronáutica, não possuindo, nem ao menos um Estado reconhecido, mas, apenas e tão somente, é visto como um território que está ocupado desde a criação de Israel, que, a cada dia expulsa seus habitantes, mata e humilha impunemente, sob o argumento de que eles é que sofrem com os ataques terroristas dos Palestinos. Veja e comprove.

Aliás, uma pergunta, afinal há um ditado que diz que perguntar não ofende. Quem é mais terrorista, o Estado de Israel, que faz o que você vê neste vídeo, ou esta mídia bandida mundial e brasileira, que esconde de todos nós o que realmente acontece na Palestina?


Impressões de uma visita a Gaza

25/11/2012

Noam Chonski visita Gaza de 25 a 30/10/2012

 

Internacional| 24/11/2012

Da Carta Maior

Noam Chomsky

Uma noite encarcerado é o bastante para que se conheça o sabor de estar sob total controle de uma força externa. E dificilmente demora mais de um dia em Gaza para que se comece a perceber como é tentar sobreviver na maior prisão a céu aberto do mundo. Na Faixa de Gaza, a área de maior densidade populacional do planeta, um milhão e meio de pessoas estão constantemente sujeitas a eventuais e amiúde ferozes e arbitrárias punições, cujo propósito não é senão humilhar e rebaixar a população palestina e ulteriormente garantir tanto o esmagamento das esperanças de um futuro decente quanto a nulidade do vasto apoio internacional para um acordo diplomático que sancione o direito a essas esperanças.

O comprometimento a isso por parte das lideranças políticas israelenses foi ilustrado expressivamente nos últimos dias, quando eles advertiram que ‘enlouqueceriam’ se os direitos palestinos fossem reconhecidos, mesmo que limitadamente, pela ONU. Essa postura não é nova. A ameaça de ‘enlouquecer’ (‘nishtagea’) tem raízes profundas, lá nos governos trabalhistas dos anos 1950 e em seus respectivos “complexos de Sansão”: “se nos contrariarem, implodimos as paredes do Templo à nossa volta”. À época, essa ameaça era inútil; hoje não é mais.

A humilhação deliberada também não é nova, apesar de adquirir novas formas constantemente. Há trinta anos, líderes políticos, inclusive alguns dos mais notórios ‘falcões’ (sionistas mais conservadores), apresentaram ao primeiro-ministro um relato detalhado de como colonos regularmente violavam palestinos da forma mais vil e com total impunidade. A proeminente analista Yoram Peri notou com repugnância que a tarefa do exército não é a de defender o Estado, mas de “acabar com os direitos de pessoas inocentes somente porque são araboushim (uma ofensa racial) vivendo numa terra que Deus nos prometeu”.

O povo de Gaza foi selecionado para punições particularmente cruéis. É quase miraculoso que eles suportem tal existência. Raja Shehadeh descreveu como eles o fazem num eloquente livro de memórias, A Terceira Via, escrito há 30 anos. O texto relata seu trabalho como advogado empenhado na tarefa de tentar proteger direitos elementares num sistema legal feito para ser insuficiente, além de sua experiência como um resistente que vê sua casa tornar-se uma prisão por ocupantes violentos e nada pode fazer além de “aguentar”.

A situação piorou muito desde o texto de Shehadeh. Os acordos de Oslo, celebrados com muita cerimônia em 1993, determinaram que Gaza e a Cisjordânia eram uma só entidade territorial. Os EUA e Israel puseram sua estratégia de separá-los para funcionar já naquela época, de forma a barrar um acordo diplomático e punir os araboushim em ambos os territórios.

A punição aos moradores de Gaza tornou-se ainda mais severa em janeiro de 2006, quando eles cometeram um crime hediondo: votaram no “lado errado” na primeira eleição do mundo árabe, elegendo o Hamas. Demonstrando seu amor pela democracia, os EUA e Israel, apoiados pela tímida União Europeia, impuseram um sítio brutal e ataques militares ostensivos logo de cara. Os norte-americanos também imediatamente recorreram ao procedimento operacional padrão para momentos em que populações desobedientes elegem o governo errado: prepararam um golpe militar para restabelecer a ordem.

O povo de Gaza cometeu um crime ainda pior um ano depois. Barraram a tentativa de golpe, levando a uma forte escalada do sítio e das ofensivas militares. Isso culminou, no inverno de 2008-9, na Operação Chumbo Fundido, um dos mais covardes e perversos exercícios de poder militar na memória recente, na qual uma população civil sem defesa e enclausurada ficou sujeita à implacável ofensiva de um dos mais avançados sistemas militares do mundo, que conta com o apoio das armas e da diplomacia estadunidense. Um testemunho inesquecível do morticínio – infanticídio, nas palavras deles – é o livro Eyes in Gaza, de dois corajosos doutores noruegueses, Mads Gilbert e Erik Fosse, que à época trabalhavam no principal hospital de Gaza.

O Presidente Obama não foi capaz de dizer uma palavra além de reiterar sua sincera simpatia pelas crianças sob ataque – na cidade israelense de Sderot. A investida minuciosamente planejada foi levada a cabo justamente antes do empossamento de Barack, assim ele pôde dizer que era hora de vislumbrar o futuro, não o passado.

Obviamente, havia pretextos – sempre há. O de costume, apresentado assim que necessário, é a “segurança”: neste caso, os foguetes caseiros de Gaza. Como de costume, também, o pretexto carecia de credibilidade. Em 2008, estabeleceu-se uma trégua entre Israel e o Hamas. E o governo israelense reconheceu formalmente que o Hamas cumpriu a trégua. Nenhuma bomba do Hamas foi disparada até que Israel rompeu a trégua encoberto pelas eleições presidenciais norte-americanas de 4 de novembro de 2008, invadindo Gaza por motivos ridículos e matando meia-dúzia de membros do Hamas. O governo de Israel foi aconselhado por suas mais altas autoridades de inteligência de que a trégua poderia ser retomada por suavizar o bloqueio criminoso e acabar com as ofensivas militares. Mas o governo de Ehud Olmert, por reputação um “pombo” (termo para os sionistas “moderados”), preferiu rejeitar estas opções e lançar mão de sua enorme vantagem no quesito violência: a Operação Chumbo Fundido.

O modelo de bombardeio da Operação Chumbo Fundido foi analisado cuidadosamente pelo respeitado defensor dos direitos humanos Raji Sourani, natural de Gaza. Ele aponta que o bombardeio concentrou-se ao norte, mirando civis indefesos nas áreas de maior densidade populacional, sem qualquer desculpa do ponto de vista militar. O objetivo, ele sugere, talvez tenha sido mover a população intimidada para o sul, próximo à fronteira com o Egito. Mas, apesar da avalanche terrorista, os resistentes não se moveram.

Outro objetivo provavelmente era movê-los para lá da fronteira. Desde o início da colonização sionista dizia-se que os árabes não tinham motivo para estar na Palestina. Eles podiam continuar felizes noutro lugar e deveriam ser “transferidos” de maneira educada, sugeriam os pombos. Esta, que claramente não é uma preocupação menor do governo egípcio, talvez seja a razão pela qual o Egito não abre sua fronteira seja para civis, seja para os suprimentos dos quais o país necessita desesperadamente.

Sourani e outras fontes dignas de reconhecimento notam que a disciplina dos resistentes oculta um barril de pólvora que pode explodir inesperadamente, como aconteceu na primeira Intifada em Gaza em 1989, após anos de repressão indigna de qualquer interesse ou nota.

Só para mencionar um dos inumeráveis casos, pouco antes da eclosão da Intifada, uma menina palestina, Intissar al-Atar, foi assassinada no pátio da escola pelo morador de um assentamento judeu próximo. Ele era um dos milhares de colonos israelenses trazidos para Gaza, o que violava leis internacionais, sob proteção da enorme presença de um exército que assumiu o controle das terras e da escassa água da Faixa. O assassino da estudante, Shimon Yifrah, foi preso. No entanto, foi solto rapidamente quando o tribunal determinou que “o delito não foi severo o suficiente” para justificar a detenção. O juiz comentou que Yifrah só pretendia assustar a garota por atirar na direção dela, não matá-la, assim, “o caso não é o de um criminoso que deve ser punido com um aprisionamento”. Yifrah recebeu uma pena suspensa de 7 meses, o que levou os outros colonos presentes à sala de tribunal a dançar e cantar. E o silêncio, pra variar, reinou. Afinal, a rotina é essa.

Assim que Yifrah foi libertado, a imprensa israelense reportou que uma patrulha armada atirou no pátio de um colégio para meninos de 6 a 12 anos num campo de refugiados da Cisjordânia, ferindo cinco crianças. O ataque só pretendia “assustá-los”. Não houve punições e o evento, para variar, não atraiu atenção. Era só mais um episódio do programa de “analfabetismo como punição”, disse a imprensa israelense, programa que incluía o fechamento de escolas, uso de bombas de gás, espancamento de estudantes a coronhadas, bloqueio de auxílio médico para vítimas; e para além das escolas predominou a mesma brutalidade, que até asseverou-se durante a Intifada, sob ordens do Ministro da Defesa Yitzhak Rabin, outro bem conceituado “pombo”.

Minha impressão inicial, depois de uma visita de alguns dias, foi de admiração ao povo palestino. Não só pela habilidade de levar a vida, mas também pela vitalidade da juventude, particularmente a universitária, com a qual eu passei um bom tempo numa conferência internacional. Mas também fui capaz de perceber que a pressão pode tornar-se grande demais. Relatos apontam que entre a população masculina jovem há uma frustração crescente e o reconhecimento de que, sob comando dos EUA e de Israel, o futuro não é promissor.

A Faixa de Gaza parece uma típica sociedade de terceiro mundo, com bolsões de riqueza rodeados por uma pobreza medonha. Não é, entretanto, um lugar “subdesenvolvido”. Na verdade, é “des-desenvolvido”, e de maneira muito sistemática, pegando emprestado um termo de Sara Ray, a maior especialista acadêmica em Gaza. Gaza poderia ter se tornado uma região mediterrânea próspera, com rica agricultura, uma promissora indústria pesqueira, praias maravilhosas e, como descobriu-se há dez anos, a perspectiva de uma extensa reserva de gás natural dentro dos limites de suas águas. Coincidentemente ou não, foi há uma década que Israel intensificou seu bloqueio naval, levando navios pesqueiros em direção à costa.

As perspectivas favoráveis foram frustradas em 1948, quando a Faixa tornou-se abrigo da enxurrada de refugiados palestinos que fugiram ou foram expulsos à força do que hoje é Israel.

Na verdade, eles continuaram sendo expulsos quatro anos depois, como informou no periódico Ha’aretz (25.12.2008) o estudioso Beni Tziper. Ele afirma que, já em 1953, “avaliava-se necessário varrer os árabes da região”.

Isso foi em 1953, quando a necessidade de militarização ainda não se insinuava. As conquistas israelenses de 1967 ajudaram a administrar os golpes posteriores. Vieram então os terríveis crimes já mencionados, que continuam até hoje.

É fácil notar os sinais de tais crimes, mesmo numa visita breve. Num hotel perto da costa pode-se ouvir as metralhadoras israelenses empurrando pescadores para fora das águas de Gaza, em direção à própria costa. Assim, eles são levados a pescar em águas que estão poluidíssimas porque norte-americanos e israelenses não permitem a reconstrução dos sistemas de esgoto e energia que eles próprios destruíram.

Os Acordos de Oslo planejavam duas usinas de dessalinização, imprescindíveis em função da aridez da região. Uma, instalação muito avançada, foi construída – em Israel. A segunda é em Khan Yunis, sul da Faixa de Gaza. O engenheiro encarregado de tentar obter água potável para a população explicou que essa usina foi projetada de forma tal que é incapaz de usar água do mar, ela depende de reservas subterrâneas, um sistema mais barato que, no entanto, degrada o aquífero já deficiente. Mesmo assim, a água é limitadíssima. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), que cuida dos refugiados (mas não dos outros moradores de Gaza), recentemente lançou um relatório advertindo que os danos ao aquífero podem em breve tornar-se “irreversíveis”, e que, sem ações reparadoras, Gaza talvez deixe de ser um  “local habitável” em 2020.

Israel permite a entrada de concreto para projetos da UNRWA, mas não para os palestinos comprometidos com as enormes necessidades de reconstrução. O equipamento pesado permanece ocioso a maior parte do tempo, já que Israel não permite materiais para reparo. Tudo isso é parte do programa descrito por Dov Weisglass, conselheiro do primeiro-ministro Ehud Olmert, depois de os palestinos terem deixado de seguir certas ordens na eleição de 2006: “a ideia”, disse ele, “é aplicar uma dieta aos palestinos, mas não deixá-los morrer de fome”. Não seria de bom tom.

O plano está sendo seguido conscienciosamente. Sara Roy nos dá vasta evidência disso em seus estudos. Recentemente, após anos de esforços, a Gisha, organização israelense pelos direitos humanos, conseguiu obter uma ordem judicial exigindo que o governo divulgue os planos da “dieta”. Jonathan Cook, jornalista em Israel, assim os resume: “oficiais de saúde forneceram cálculos do número mínimo de calorias que Gaza precisa para que os 1.5 milhão de habitantes não fiquem desnutridos. Esse número traduziu-se no número de caminhões de comida que Israel supostamente permite a cada dia, uma média de apenas 67 caminhões – bem menos do que a metade do requerido. E que se compare com isso os 400 caminhões diários de antes do bloqueio”. Segundo relatórios da ONU, mesmo essas estimativas são bastante generosas.

O resultado da imposição da dieta, observa o especialista em Oriente Médio Juan Cole, é que “cerca de 10% das crianças palestinas com menos de cinco anos tiveram seu crescimento atrofiado pela desnutrição. Além disso, a anemia hoje afeta dois terços das crianças mais jovens, 58,6% das crianças em idade escolar e mais de um terço das grávidas”. Os EUA e Israel querem ter certeza de que nada além da mera sobrevivência seja possível.

“O que devemos ter em mente”, diz Raji Sourani, “é que a ocupação e o encerramento absoluto é um ataque em andamento contra a dignidade humana do povo de Gaza em particular, e contra os palestinos em geral. É degradação, humilhação, isolamento e fragmentação sistemática do povo palestino”. Essa conclusão é confirmada por muitas outras fontes. Em um dos mais importantes periódicos médicos do mundo, The Lancet, um físico de Stanford, horrorizado com o que viu, descreveu a Faixa de Gaza como um tipo de “laboratório de observação da completa ausência de dignidade”, condição que tem efeitos “devastadores” sobre o bem-estar físico, mental e social da população. “A constante vigilância vinda do céu, punições coletivas por bloqueios e isolamentos, invasão de lares e de sistemas de comunicação, além de restrições aos que tentam viajar, casar ou trabalhar, tornam difícil viver de maneira digna em Gaza”.

Havia esperanças de que o novo governo egípcio de Mohammed Mursi, menos servil à Israel do que a ditadura de Mubarak, pudesse abrir a Travessia de Rafah, única saída de Gaza que não está sujeita a controle israelense direto. Até houve uma pequena abertura. A jornalista Leila el-Haddad escreve que a reabertura sob Mursi “é simplesmente um retorno ao status quo de anos anteriores: somente os palestinos portadores de identidades de Gaza aprovadas por Israel podem usar a Travessia”, o que exclui inclusive a família da jornalista.

Ademais, continua Leila, “Rafah não leva à Cisjordânia e não permite o transporte de bens, restrito às travessias controladas por Israel e sujeito às proibições a materiais de construção e exportação”. A restrição à Travessia de Rafah não muda o fato, também, de que “Gaza permanece sob apertado sítio marítimo e aéreo e fechada para qualquer capital cultural, econômico ou acadêmico que venha do resto dos territórios palestinos, o que viola as obrigações dos EUA e de Israel segundo o Acordo de Oslo˜.

Os efeitos disso são dolorosamente evidentes. No hospital de Khan Yunis, o diretor, que também é cirurgião-chefe, descreve enfurecido tanto a falta de remédios para aliviar o sofrimento dos pacientes quanto a dos equipamentos cirúrgicos mais simples.

Relatos pessoais dão vivacidade à corrente aversão à obscenidade da ocupação. Um exemplo é o testemunho de uma jovem que desesperou-se quando seu pai, que se orgulharia ao saber que sua filha foi a primeira mulher do campo de refugiados a receber um diploma avançado, “faleceu após seis meses de luta contra o câncer, aos 60 anos. A ocupação israelense negou que ele fosse aos hospitais de Israel para tratar-se. Eu tive de suspender meus estudos, meu trabalho e minha vida para ficar ao lado de sua cama. Todos nós, incluindo meu irmão e minha irmã, sentamo-nos ao lado de meu pai, assistindo seu sofrimento impotentes e sem esperança. Ele morreu durante o desumano bloqueio a Gaza no verão de 2006, com pouquíssimo acesso a serviços de saúde. Sentir-se impotente e sem esperança é o sentimento mais terrível que alguém pode ter. É um sentimento que mata o espírito e quebra o coração. Podemos lutar contra a ocupação, mas não podemos lutar contra o sentimento de impotência. Não se pode nem dissolver esse sentimento”.

Aversão à obscenidade combinada com culpa: nós podemos acabar com esse sofrimento e permitir aos resistentes a vida de paz e dignidade que eles merecem.

(*) Noam Chomsky visitou a Faixa de Gaza nos dias 25 a 30 de outubro.

Tradução de André Cristi.


Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores

23/11/2012

Geraldo Vandré

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

 

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

 

Pelos campos há fome

Em grandes plantações

Pelas ruas marchando

Indecisos cordões

Ainda fazem da flor

Seu mais forte refrão

E acreditam nas flores

Vencendo o canhão

 

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

 

Há soldados armados

Amados ou não

Quase todos perdidos

De armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam

Uma antiga lição:

De morrer pela pátria

E viver sem razão

 

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

 

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Somos todos soldados

Armados ou não

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

 

Os amores na mente

As flores no chão

A certeza na frente

A história na mão

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Aprendendo e ensinando

Uma nova lição

 

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer


Israel e a Palestina, entre a mídia e a política

23/11/2012

Do sítio do Brasil de Fato

22/11/2012

Moara Crivelente*

 

Visitar Israel e Palestina, para os que se dedicam a acompanhar este conflito armado de mais de seis décadas, significa presenciar e experimentar as cenas e condições de violência reproduzidas cotidianamente, nos meios de comunicação e na realidade. É o caso dos postos de controle, dos muros de separação, dos soldados israelenses onipresentes, das limitações ao comércio palestino subsistente, da ocupação territorial, das prisões administrativas, das separações impostas entre parentes e entre agricultores e as suas terras, e outras violações de direitos humanos já institucionalizadas.

Chegar ao aeroporto é sempre uma surpresa, já que, antes de partir, pude ouvir todo o tipo de situações a esperar das autoridades israelenses. Os oficiais do aeroporto fazem buscas no Google sobre algumas pessoas e, encontrando informações que as denuncie como favoráveis à causa palestina, obrigam-nas a assinar documentos em que se comprometem a não entrar em território palestino. A outras, por vezes palestinos que não vivem em Israel ou na Palestina, os oficiais pedem senhas de e-mail ou do Facebook, situação que pude observar em primeira mão. A própria jornalista Amira Hass, do diário israelense Ha’aretz, escreveu sobre isso.

Qualquer pessoa que viaja a Israel deve se preparar para todo o tipo de possibilidades, desde inspeções ao próprio computador até as revistas usuais do corpo, da mala e da alma: perguntas relacionadas à religião e ao nome próprio dos pais, por exemplo, são comuns. Na saída, outra vez, os oficiais repetem as mesmas perguntas, uma e outra vez: questionam as motivações, a religião, os contatos, os nomes dos pais, os percursos e as atividades realizadas durante o período de estadia. Para um país que tanto investe em turismo, porém, essa abordagem pode ser um tanto antiproducente.

Para os palestinos, a situação é pior, obviamente. Ali Dajani, um jovem comerciante de Jerusalém, foi estudar a língua russa na Ucrânia, onde viveu por dois anos. Ao voltar, os oficiais israelenses o fizeram despir e o mantiveram por mais de uma hora dentro de um cubículo, em baixa temperatura. Fizeram-lhe todo o tipo de perguntas e, Ali garante, há casos piores. Além disso, a problemática de grandíssimo peso sobre a documentação dos palestinos é frequentemente negligenciada.

 

Identificação e refugiados

Outras questões importantes incluem a organização política palestina e as reivindicações mais marcantes no tocante às negociações: a definição das fronteiras como as conhecidas pré-1967 – quando houve a Guerra dos Seis Dias, em que Israel avançou significativamente para dentro do território palestino – e o direito de retorno para os palestinos, que é uma das demandas-chave. Este último se refere ao direito dos refugiados palestinos e seus descendentes de voltar aos seus lares pré-1948, quando o Estado de Israel foi estabelecido, na chamada Palestina histórica.

A ONU reconheceu o direito de retorno através de uma resolução da Assembleia Geral (194, de 11 de dezembro de 1948), mas ele ainda não foi efetivado: em 2008, a população mundial de palestinos refugiados foi estimada em 7,2 milhões de pessoas pelo Centro Badil de pesquisas, de Belém.

Os palestinos que nascem em Jerusalém obtêm um documento de identificação israelense, o que não lhes garante direitos civis propriamente ditos. A identificação, preenchida em hebreu, permite aos oficiais israelenses ter todo o histórico do palestino que decidir abordar: nome dos pais, dos avós e do cônjuge, o número de filhos, endereço e outras informações mais comuns. Além de não lhes garantir nenhum direito, o documento de identificação lhes restringe ainda mais o movimento: a certos palestinos não é permitido circular por várias áreas.

O mesmo ocorre para os palestinos que, vivendo em território israelense – como reconhecido por seus aliados – decidiram aceitar a proposta de obter cidadania israelense, durante os chamados Acordos de Oslo, no início da década de 1990. Hoje, com uma rota complicada de negociações sobre a sua condição e sem grandes soluções alcançadas, esses “árabes israelenses”, como são classificados, são vetados também de outros países vizinhos. O resultado dessas políticas e desses desencontros é que milhares de palestinos não têm qualquer nacionalidade oficial: integram o grupo de “pessoas sem Estado” já tão extenso no âmbito internacional.

Para sair de Israel, alguns palestinos recorrem aos documentos de viagem emitidos pela vizinha Jordânia, o que também não lhes garante quaisquer direitos civis. De fato, para viajar para a Jordânia, mesmo com esses documentos, precisam pagar pelo visto ao entrar no país, como os outros estrangeiros. Os palestinos formam parte do grupo de refugiados mais antigo – assim reconhecidos internacionalmente – ao qual se dedica a Agência da ONU para os Trabalhos de Apoio, para os Refugiados Palestinos (UNRWA, em inglês), criada pouco depois da própria ONU, em 1949.

Um refugiado palestino, segundo a agência, é qualquer pessoa “cujo lugar de residência normal era a Palestina durante o período entre 1º de Junho de 1946 até 15 de Maio de 1948 e que perderam tanto os lares quanto os meios de subsistência como resultado do conflito de 1948”.

Além disso, também os descendentes dos homens palestinos reconhecidos como refugiados são considerados refugiados. O mandato da agência se estende entre Jordânia, Síria, Líbano e os territórios palestinos: a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Segundo a Sociedade Acadêmica Palestina para o Estudo dos Assuntos Internacionais (PASSIA, em inglês) as condições dos refugiados palestinos no Líbano são as piores: vivem em campos lotados, não têm cidadania ou nacionalidade, sofrem várias restrições empregatícias e são proibidos de adquirir propriedades.

 

Cooperação internacional

Em 2009, os EUA e a União Europeia eram os maiores doadores da UNRWA, mas, por conta da crise internacional e do corte dos gastos, ambos reduziram drasticamente a contribuição, enquanto a população de refugiados continua crescendo. Por outro lado, o Brasil recentemente incrementou em 700% a sua contribuição anual, o que significa que serão enviados 7,5 milhões de dólares à agência em 2012. O aumento foi anunciado em maio, pela Chefe da Representação Brasileira para a Autoridade Palestina na Cisjordânia, Ligia Maria Scherer.

Tanto Israel quanto a Autoridade Palestina recebem financiamento internacional para a sua subsistência. Além disso, comunidades judias de todo o mundo enviam dinheiro e apoio às mais variadas instituições israelenses, como museus, escolas religiosas, hospitais e sinagogas. É possível observar construções modernas e ambulâncias, por exemplo, frequentemente estampadas com os nomes das famílias que as financiaram.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) – órgão reconhecido oficialmente por 129 países como representante político do futuro Estado Palestino – recebe contribuições diretas de vários membros da ONU, como a Noruega, o Reino Unido, o Japão e os Estados Unidos. Também a UNRWA, através de doações de vários países, contribui com a realização dos trabalhos da ANP, como a construção de estradas e de unidades habitacionais.

São questões delicadas, que tocam diretamente a dimensão política do reconhecimento da ocupação e da condição dos palestinos, alguns dos quais vivendo em comunidades refugiadas. Transformar as áreas em que vivem, sob esse estatuto, em zonas efetivamente residenciais lhes tira a representação como vítimas, deslocadas em razão de um conflito ainda ativo. Além disso, não lhes proporciona melhores condições econômicas ou de subsistência, principalmente em se tratando do território sob bloqueio israelense. Os Palestinos continuam dependentes de ajuda externa, sujeitos às imposições israelenses e desprovidos de autonomia.

 

População e controle

A Faixa de Gaza é um dos lugares mais densamente habitados do mundo, com mais de 1,6 milhões de pessoas habitando menos de 400km2. A retirada militar israelense do território, em 2006, pode ser vista como uma forma de o Governo israelense se esquivar de qualquer responsabilidade pela população desta região, que se somariam aos palestinos já residentes em território israelense e na Cisjordânia, formando uma maioria sociopolítica ainda mais significante.

A questão demográfica no conflito Israelo-Palestino é fundamental e forma parte da política direta do governo, que estabelece metas populacionais a serem cumpridas. Um eficaz instrumento nessa empreitada é a população judia ortodoxa, que ainda não é obrigada ao serviço militar, como o resto dos israelenses judeus, e que recebe importantes subsídios do Estado. A sua contribuição, por assim dizer, se devolve com famílias altamente numerosas e com a manutenção do judaísmo como símbolo forte do Estado de Israel. Recentemente, porém, outros setores da sociedade judia e israelense vêm questionando a não obrigação ao serviço militar para os judeus ortodoxos.

Em 2010, o Ministro de Relações Exteriores Avigdor Lieberman apresentou à ONU um plano de trocas, como condição para a retomada das negociações de paz. Elas estavam estagnadas devido à recusa Israelense de renovar o seu compromisso de congelar os assentamentos judeus em território palestino.  O plano prevê a transferência da população árabe vivendo em Israel para o eventual Estado Palestino, em troca da retirada de assentamentos judeus na Cisjordânia. Os árabes israelenses eram cerca de 20% da população de Israel naquele ano, e se somaram à resposta indignada de muitos atores envolvidos no processo. A ideia de expulsar os habitantes árabes do território lembra propostas anteriores da extrema direita ultranacionalista, da qual o partido de Lieberman, Yisrael Beiteinu, faz parte.

Em outros casos, como os próprios muros construídos em diversos territórios, tanto israelenses quanto palestinos, a situação de apartheid, negada por Israel, é mais visível. Em um tour realizado pela ONG israelense Ir Amim em Jerusalém Oriental – parte do território palestino, de acordo com os planos de paz, mas controlado por Israel – pude conhecer os diversos bairros palestinos, submersos em condições de pobreza análogas às das favelas brasileiras. Logo em seguida a bairros residenciais israelenses em pleno território palestino – condomínios bem pavimentados, com parques e prédios modernos – estão bairros sem calçadas, com insuficientes escolas e mecanismos de administração civil, onde vivem os palestinos.

Em alguns casos, esses dois mundos podem ser vistos na mesma rua, separados por poucos metros. Isso acontece, segundo Ir Amim, mesmo enquanto os palestinos pagam regularmente os seus impostos para a administração civil de Jerusalém, governada por Israel. Não o fazem necessariamente por cumprirem seus deveres – principalmente não vendo nenhum sentido nesses impostos – mas, especialmente, por outro fator determinante: segundo leis israelenses, caso seja provado que um palestino abandonou a sua propriedade, a mesma pode ser confiscada. Uma forma de comprovar a permanência, portanto, é o pagamento de impostos.

A área de Jerusalém Oriental compreende 6,5km2 das fronteiras municipais pré-1967 e 70km2 da Cisjordânia, mas foi ocupada por Israel aos poucos, que acabou anexando-a e incorporando-a à área que reclama como sua capital administrativa. As reivindicações palestinas também determinam Jerusalém como capital do seu futuro Estado, e uma das soluções propostas por mediadores foi a administração internacional da cidade, já que ela tem extrema importância para as três religiões principais na região.

 

Ocupações e assentamentos

De acordo com a PASSIA, entre setembro de 2000, quando se iniciou a Segunda Intifada – levantamento palestino contra as políticas de ocupação israelenses – e agosto de 2008, cerca de 64 palestinos morreram ao serem impedidos ou atrasados nos postos de controle, a caminho de tratamento médico.

Ainda, segundo fontes da ONU, desde 1967 Israel deteve e encarcerou 700.000 palestinos, a maioria prisioneiros políticos. Em 31 de outubro de 2008, 8.256 palestinos estavam presos em instalações israelenses, incluindo 578 sob detenção administrativa e 291 crianças. A chamada “prisão administrativa” é uma medida extremamente arbitrária e permissiva prevista na Lei de Combatentes Ilegais, de 2002. Permite que meros suspeitos sejam detidos por um período renovável de 6 meses, sem acusação. Não desfrutam do estatuto de prisioneiros de guerra, previsto no Direito Internacional Humanitário, nem ao de detentos civis, numa violação evidente dos seus direitos humanos.

Há vários relatórios e pesquisas que indicam que as prisões e as transferências forçadas de prisioneiros são armas políticas usadas por Israel contra os palestinos, população que controla com leis extremamente arbitrárias e que julga através de um sistema judicial militar. Entre os casos específicos mais notórios, segundo a PASSIA e fontes do Ministério de Prisioneiros da ANP, em novembro de 2011 havia 304 crianças presas, 450 pessoas cumprindo prisão perpétua e 194 sob prisão administrativa. Além disso, dos 4.301 prisioneiros, à época, mais de 1.200 ainda aguardavam sentença.

Em outubro de 2011, porém, Israel e o partido político palestino Hamas, majoritário na Faixa de Gaza, concluíram um acordo de troca de prisioneiros: o soldado israelense, Gilad Shalit, capturado pelo Hamas anos antes, foi trocado por 1.027 prisioneiros palestinos em duas fases. O acordo levantou a discussão sobre o valor da vida palestina para os israelenses, além da questão sobre a sustentabilidade desse processo. Com base nas leis israelenses, suspeitava-se que parte desses prisioneiros libertos seria logo detida outra vez, apesar de muitos deles terem tido de deixar o país. Além disso, entre as duas fases de libertação, as forças israelenses detiveram ao menos 330 palestinos, segundo a PASSIA.

A organização estima ainda que, desde setembro de 2000, 8.000 crianças palestinas foram presas por diferentes períodos. De acordo com a ONG israelense para defesa dos Direitos Humanos, B’Tselem, o Serviço Prisional Israelense detinha, em outubro de 2011, 4.772 palestinos, incluindo 278 sob prisão administrativa. Do total, 150 eram menores de idade, sendo 30 deles menores de 16 anos.

Outras políticas de controle e ocupação incluem expropriações e destruição de terras, restrições de movimento e de residência, demolições de casas, e os já mencionados muros de separação. Aproximadamente 3,5% da Cisjordânia foram confiscados por Israel para assentamentos e estradas, e 29% são considerados área restrita. Em Gaza, Israel ainda controla 24% do território; cerca de 87km2 são usados como zona de controle militar.

Em 1995, o Acordo de Oslo II criou divisões jurisdicionais na Cisjordânia: Área A – sob administração e segurança da ANP, representando cerca de 17,2% do território urbano, atualmente; Área B – sob controle militar israelense e responsabilidade da ANP em matérias de administração e serviços civis, e que corresponde a 23,8% do território, majoritariamente ocupado por vilas; e a Área C, 59% do território, sob controle exclusivamente israelense.

Sob o regime de planejamento de Israel, construções palestinas são efetivamente proibidas em cerca de 70% da Área C. No restante espaço, outras restrições fazem com que obter uma licença para construção seja quase impossível. Os dados são da ONU e da PASSIA. Além disso, há instrumentos como a Lei de Ausentes da Propriedade, de 1950, que determina que qualquer pessoa que estivesse fora do território israelense – Gaza ou Cisjordânia, por exemplo, ou outros países árabes – entre 29 de novembro de 1947 e 1º de setembro de 1949 teria a sua propriedade confiscada pelo governo de Israel, sem possibilidade de apelo ou compensação. O período foi marcado pelo plano de partição da ONU, separando o território, sob mandato britânico desde 1923, entre árabes e judeus – que ficaram com 56,47% das terras da Palestina histórica, apesar de, à época, os judeus terem apenas 7% das terras e serem muito menos, em números, que os palestinos.

Os chamados assentamentos são violações do direito internacional, descritas em várias resoluções da ONU e na IV Convenção de Genebra. São foco de vários apelos por parte de outras nações e das reivindicações palestinas, que veem neles uma ameaça constante à viabilidade de um Estado Palestino. Em 2009, o governo de Benyamin Netanyahu declarou uma moratória na construção de novos assentamentos, mas, antes disso tinha acelerado a construção de 4.000 unidades residenciais israelenses em terras palestinas.

Em 2010, a população israelense assentada em território palestino era de 304.200 pessoas, de acordo com a CBS Dados, organização israelense. Outra organização, PCBS, conta 518.974 “colonos” israelenses. O número tende a aumentar, todavia, já que o Governo de Israel mantém programas de incentivo para atrair descendentes de judeus, jovens recém-formados e casais, muitos provindos dos EUA, para morar e aderir à nova nação israelense. Enquanto isso, o aumento da violência entre colonos e palestinos é constante, assim como a desinformação dos próprios israelenses sobre a situação.

 

Hebron: um microcosmo do conflito Israelo-Palestino

Para falar de uma experiência pessoal: andar pelas ruas de Hebron, na Cisjordânia, é tirar uma foto do conflito Israelo-Palestino. Tudo o que uma pessoa interessada pelo assunto lê nos relatórios das organizações internacionais e das ONGs de defesa dos direitos humanos, ou em notícias um pouco mais dedicadas, está lá. E no caminho até lá.

Desde a turística e belíssima Jerusalém antiga, saindo de seu portão Damasco – assim chamado por ser voltado a esta cidade síria, segundo uns, ou por ter sido construído por pessoas que vieram de lá, segundo outros – e caminhando pelas ruas comerciais ocupadas por bazares, é possível pegar um ônibus até Belém, que já fica em território Palestino. Fui acompanhada até a rodoviária pela Hibah, a moça palestina que conheci no hotel. Ela me guiou pelas ruas labirínticas dentro da cidade antiga de Jerusalém até o portão Damasco, passando por muitos bazares.

Para chegar a Belém é necessário passar por um dos postos de controle israelenses – ou os conhecidos check points –, chamado 300. Na ida, não foi necessário parar, e as pistas que se tem sobre o posto são os muros, as torres de vigilância e os soldados armados. Chegando a Belém, é preciso pegar outro ônibus até Hebron. Finalmente estou na Palestina, e ver as bandeiras erguidas em muitas esquinas é bastante especial. Recebo uma mensagem no celular, me dando as boas vindas a este país, como quando se chega a qualquer outro território nacional decentemente reconhecido.

Em Hebron, porém, a experiência se torna um tanto mais intensa. A cidade é conhecida por sua divisão em zonas militarizadas, em que há muitas famílias israelenses vivendo sob a vigia de soldados israelenses, em condomínios bastante destoantes, assentamentos em pleno território urbano palestino. Outra vez, nenhuma novidade. Porém, caminhar até a Mesquita de Abraão e ser questionada pelo soldado israelense, no posto de controle, sobre a minha religião, sim, foi uma novidade. Vê-los entrar pelas escadas que levam à Mesquita com os seus M-16 em punho, também, foi uma novidade, algo que um muçulmano não deve apreciar.

Nas ruas do mercado antigo, praticamente abandonado, conheci um guia palestino, empenhado em mostrar aos “turistas ativistas” a realidade em que ele vive. Pensei nessa nova modalidade de turismo a ser criada – ou nomeada, uma vez que já existe: o turismo ativista. Com um quase-cinismo de alguém realmente impotente, ouvi dele e de outros palestinos com quem conversei todas as críticas, importâncias e ênfases que os ativistas preocupados com a situação dos palestinos damos às diferentes camadas dessa realidade política, social e econômica tão violenta.

O que realmente me despertou esse pensamento foi quando um dos vendedores das poucas lojas abertas me explicou e quase me deu um certificado da produção local dos lenços palestinos que eu estava comprando. “É realmente feito aqui, é produção local, originalmente palestina, não é feita na China, nem em Israel”, dizia o senhor enquanto contava os meus shekels, a moeda israelense. Sou muito familiarizada com a iniciativa política bastante interessante de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) em que muitos palestinos e, outra vez, ativistas internacionais, estão se empenhando. Mas, ainda admirando a iniciativa – e tomando parte nela – não pude deixar de me sentir um pouco tola quando conversando com esses senhores, nas lojas.

Jamal, o guia palestino que me encontrou no bazar, me convenceu a segui-lo em um tour pela desgraça palestina. Eu estava em Hebron justamente por ler sobre a representatividade tão gráfica que esse lugar tem sobre o conflito. Começamos pelo próprio bazar, seguindo pelas ruas da cidade antiga de Hebron, e ele me levou pra ver as pracinhas de uns quatro metros quadrados, feitas entre os túneis-ruelas em que estão muitas casas. Mostrou-me alguns tijolos novos em ruas que cheiravam a esgoto, onde as crianças brincavam. Acompanhando esses novos tijolos e pracinhas havia placas já gastas de países como Alemanha, Espanha e, claro, Estados Unidos – através da sua agência para a cooperação internacional, a USAID – assinando a autoria da beneficência.

Depois disso, passamos por um dos postos de controle israelenses para chegar ao próximo bairro, entregando as nossas mochilas para serem revistadas e passando por detectores de metais. Entraríamos em um território misto, onde havia muitas famílias israelenses. Passaríamos de forma mais rápida, se os soldados fossem experientes e maduros, ou menos rápida se fossem mais jovens que eu, com seus 18 a 21 anos – faixa etária do serviço militar obrigatório – e estivessem flertando entre eles, com as suas armas a tiracolo. Também algumas soldados-Barbie, com seus longos cabelos loiros e óculos de sol, fazem parte da trupe que controla as vidas dos palestinos em filas, de senhores de idade ou jovens trabalhadores a mães de família, esperando para passar de uma rua a outra, até as 21h – quando os postos são fechados.

Em seguida, uma rua literalmente dividida no meio, que leva a um terraço panorâmico. Jamal me explica que temos que andar do lado direito, pois estou com ele, que é palestino. Os judeus andam do outro lado, e os carros têm que fazer alguma manobra especial um tanto confusa. Algum momento depois, entramos em outra rua emblemática, em que um mercado tradicional palestino subsiste com poucas lojas abertas – segundo Jamal, há mais de 1.000 lojas por essas ruas, mas apenas 100 funcionam, já que os comerciantes locais tiveram que deixar a cidade.

Nesta rua, as lojas são protegidas por redes metálicas acima, como uma rua com teto. O motivo é o constante arremesso de pedras e lixo dos israelenses, que vivem nos apartamentos, por cima do comércio palestino. Por outro lado, as suas janelas, assim como as janelas palestinas, são protegidas por grades ou simplesmente fechadas, também pelo constante arremesso de pedras uns contra as casas dos outros.

Seguindo adiante, a Rua Al-Shuhada, ou Rua do Mártir, é conhecida como “rua fantasma”. As casas e os comércios dessa bela rua de aproximadamente 1km, apesar de bem construídos, estão totalmente vazios e, em muitos casos, depredados. Os portões das lojas estão chumbados e as janelas das casas, destruídas. São por volta de 50 prédios abandonados só na cidade velha, pela violência entre israelenses e palestinos, pelos excessivos postos de controle e pela presença militar israelense. De fato, no final da mesma rua, passamos por outro posto de controle para entrar em um assentamento israelense, de decentes prédios residenciais, escola e sinagoga.

Há vários assentamentos como este em toda Hebron. Segundo Jamal, perto de sua casa, atrás da simbólica Mesquita de Abraão, moram ao redor de 400 israelenses. Há muitos, espalhados pela cidade, como Beit Hadassa, Beit Rumanu, Tal Irmida e Abraham Avinu, com mais ou menos 20 famílias cada. Do topo do terraço panorâmico em que ele leva muitos turistas-ativistas dá para ver bandeiras israelenses pintadas em caixas d’água, ou nos topos dos prédios, tudo disposto estrategicamente dentro do campo de visão das três torres de controle militar israelenses, instaladas nas colinas de Hebron. Dali Jamal me mostra também a escola construída pela agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA, em inglês), em meio às ruas vazias e aos postos de controle militar.

A sensação de insegurança, segundo Jamal, é constante. A presença militar israelense, os assentamentos e os comércios abandonados, além dos postos de controle e da má relação com os vizinhos judeus são fatores cotidianos que aumentam a tensão, para não falar da realidade de viver literalmente sob ocupação. As forças policiais da Autoridade Nacional Palestina (ANP) não podem carregar armas nessas regiões, por exemplo, mas a insatisfação com a instituição desperta o cinismo na voz dos palestinos, a quem pareço estar lembrando que ela existe quando lhes pergunto sobre o governo. Os Acordos de Oslo, assinados no começo dos anos 1990, supunham a restauração da autoridade palestina na região, mas Hebron foi um caso particular.

Com o chamado Acordo de Hebron, a cidade foi dividida em regiões: H1, sob autoridade palestina, em que os judeus não podem entrar; e H2, que era ainda habitada por mais de 30.000 palestinos e ficou sob controle militar israelense, com severas restrições de movimento, vários postos de controle, fechamento de comércios e toques de recolher para os palestinos. O motivo alegado é o de que lá vivem também centenas de judeus, devido a sua ligação religiosa com o local. Por isso, os palestinos não podem se aproximar das áreas em que vivem os judeus sem permissão das Forças de Defesa de Israel (IDF, a sigla em inglês).

Jamal conta que a cada 3 meses as forças israelenses entram em sua casa e reviram inclusive o seu quarto, numa programação constante de controle. À volta da casa dele há, pelo menos, 10 prédios abandonados, em que antes viviam palestinos. A ONU, em alguns momentos, tentou remediar a situação, num esforço por desacelerar o abandono da região e dos comércios, mas a insegurança física, social e econômica dificilmente permite que uma vida normal e decente seja parte da realidade palestina em Hebron. Às sextas-feiras muitos muçulmanos voltam à cidade para rezar na Mesquita de Abraão, mas deixam a região em seguida.

A volta de Belém para Jerusalém é diferente. É necessário parar no posto de controle 300, fazer uma fila, ser questionado e revistado pelos soldados, no caso dos palestinos. Como sou estrangeira, o motorista me pediu pra ficar no ônibus; os soldados subiram, me perguntam sobre o motivo da minha visita ao território Palestino, os nomes das pessoas que lá conheço e checaram o meu passaporte. No caso de outro posto de controle, tive que descer do ônibus, entrar na fila, responder aos soldados as mesmas perguntas e também sobre os nomes próprios dos meus pais, esperar que digitalizassem e introduzissem o meu passaporte no sistema de segurança, e que olhassem a minha mochila. Este é Calândia, um dos postos de controle mais conturbados, entre Ramallah e Jerusalém. Mas essa é uma outra história.

 

Ramallah, a jornalista e a diplomata.

De Jerusalém a Ramallah há um ônibus que sai também do portão de Damasco, da cidade antiga. Fiz esse trajeto duas vezes, primeiro para encontrar a jornalista israelense e judia Amira Hass, do Ha’aretz – o mais equilibrado porém não o mais lido jornal de Israel – e depois para conhecer a Chefe da Representação do Brasil para a Autoridade Nacional Palestina, Ligia Maria Scherer.

Chegar à capital administrativa da Palestina – assim chamada apesar da permanente disputa por Jerusalém – foi também bastante interessante. Ruas bastante comerciais, bairros residenciais, restaurantes, praças e bastante tráfico. Não fosse pela língua árabe, poderia dizer que estava na minha cidade, no Brasil, se bem que em Cuiabá ainda não tem Starbucks. A aparente normalidade com que se vive ali é simplesmente inexistente nas representações que a mídia geral faz daquela região.

Outra vez, não foi preciso parar no posto de controle de Calândia ao entrar em território palestino. O tráfico não estava tão intenso, o que tornou a viagem bastante rápida: em meia hora eu já estava no centro de Ramallah. As distâncias são bastante curtas se comparadas com a intensidade dos acontecimentos nessa região. É incrível pensar nas coisas que acontecem desse espaço tão pequeno, que toma uma dimensão exagerada na imaginação.

Conhecer a jornalista Amira Hass foi uma experiência bastante inquietante. O cuidado com a abordagem a uma pessoa tão envolvida no conflito me fez desajeitar a conversa inicial, o que foi corrigido com algum desajeito. Amira Hass era até pouco tempo a única jornalista israelense judia vivendo em território palestino, criticando tanto o governo de Israel quanto a Autoridade Nacional Palestina. Ainda assim, é tachada de traidora por alguns israelenses e de tendenciosa por alguns palestinos. Para a jornalista, a objetividade não existe e a busca por ela é hipócrita. De fato: um jornalista precisa arcar com as suas responsabilidades.

No café Pronto, Hass me conta sobre as coberturas que fez das operações militares de Israel e, em particular, sobre a Operação Cast Lead, das Froças de Defesa de Israel (IDF) contra Gaza, que durou quase um mês, entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, e que resultou na morte de cerca de 1.300 palestinos. A cobertura midiática local da operação é o meu objeto de investigação e o motivo principal da viagem.

Segundo Hass, a dependência que os jornalistas têm das informações providas pela ONU e por fontes locais independentes é uma constante, pois o acesso à Faixa de Gaza é dificílimo e as informações oficiais tanto de Israel quanto do Hamas, o partido dominante na região, são altamente manipuladas. Por isso, conseguir informações reais em tempo real é um luxo, assim como lograr dissociá-las da propaganda militar e política.

Publicar o que se descobre e o que se interpreta é também tarefa ingrata: Amira Hass publicou muitas matérias para o seu jornal, com testemunhos de soldados diretamente envolvidos nas operações, de vítimas e de atores políticos e com muitas informações precisas. Assim mesmo, a atenção que obteve não foi significante, nem mesmo do seu próprio jornal. Para Hass, a maior censura em Israel é a da própria população, conscientemente alheia ao que está acontecendo.

Um exemplo do tipo de informação crucial publicada por ela foi sobre a conduta dos soldados nas operações militares, tanto pelo seu envolvimento com as violações do Direito Internacional Humanitário, as normas internacionais na condução da guerra, quanto pela deliberada desinformação dos mesmos soldados, que atuavam praticamente às cegas. Amira Hass conta ter entrevistado vários soldados que não tinham a menor noção sobre o que estavam fazendo, que lhe transmitiam informações erradas e contraditórias, não por desinformar, mas simplesmente por não saber do que falavam.

Além disso, muitos soldados diziam ter a nítida sensação de que estavam em treinamento para guerras futuras, ou corrigindo erros de guerras recentes, como a Segunda Guerra no Líbano, em 2006. O uso intensivo de aviões não-tripulados – ou drones – é um exemplo. Segundo relatórios de organizações de direitos humanos e de acordo com a própria Hass, apenas cerca de 100 das 1.300 mortes de palestinos, naquele período, resultaram de combates em terra. O restante das mortes foi causado pelos ataques aéreos constantes das IDF – que só na primeira onda, na manhã do dia 27 de Dezembro de 2008, matou 205 palestinos, já somados em 225 no final do dia.

A alta densidade habitacional da Faixa de Gaza propiciou a intensificação dos resultados obtidos pelas IDF, com os seus ataques gravemente irresponsáveis, flagrantes violadores do Direito Internacional Humanitário. Ainda, o uso de armas químicas, como o fósforo branco, ou do tungstênio, em áreas habitadas são exemplos mais graves dessas violações; Israel, evidentemente, nega as acusações, dizendo que o material foi usado apenas em áreas inabitadas, para iluminar a noite.

Mas as críticas feitas por organizações como a Cruz Vermelha e por órgãos da ONU são atentamente consideradas pelas IDF. O Direito Internacional é ativamente instrumentalizado para que, nas próximas operações militares, a performance seja diferente, mas não o resultado. E, antes que os oficiais israelenses possam recorrer ao seu eterno argumento de vítimas do mundo – os únicos criticados pelo que todos fazem –, eles realmente não inventaram essa prática. O ex-General estadunidense Charles Dunlap, por exemplo, já havia mencionado uma lawfare, ou seja, a prática de usar o Direito Internacional Humanitário para a condução da guerra, e também para “justificá-la”, para argumentar contra críticas.

Já em outra direção foi o encontro com a Chefe do Escritório Representante do Brasil para a Autoridade Nacional Palestina, Ligia Maria Scherer, e com o Conselheiro Luiz Otávio Ortigão de Sampaio. Em Ramallah, o Brasil coloca em ativa o seu reconhecimento pelo Estado Palestino – cerca de outros 129 países reconhecem o Estado. O governo do Brasil estabelece ali uma representação diplomática ativa, dedicada, por exemplo, às relações com a UNRWA, a acordos políticos e econômicos com a Palestina, e a atividades culturais como as desempenhadas no campo de refugiados de Jenine, com a tradução de livros de teatro brasileiro para o Teatro da Libertação. Por outro lado, a diplomacia irresponsável em geral tem um grande peso na manutenção dessa guerra.

 

E o Direito Internacional

Por um lado, a União Europeia e os EUA mantêm relações comerciais e militares importantes com Israel, sobretudo através de um Complexo Militar Industrial, que mantém um fluxo constante de armas entre Israel e as duas potências. Continuam criticando as ocupações de terra palestina pelo Governo Israelense ou por grupos de israelenses autônomos – que às vezes são expulsos com grande estardalhaço por um Governo que quer mostrar serviço para os seus patrocinadores; ainda, reconhecem algumas violações de direitos humanos e o direito da Palestina de eventualmente ser um Estado independente.

Porém, a eterna retórica assentada sobre a prioridade da segurança de Israel lhe permite postergar o reconhecimento de um país que já existe, ao lhe barrar a entrada em órgãos como a ONU, ao negar-lhe resoluções no Conselho de Segurança de condena a Israel, pelas suas condutas cotidianas de opressão, e ao impossibilitar-lhe que o Direito Internacional Humanitário sirva também a sua humanidade.

Em abril deste ano, o Tribunal Penal Internacional respondeu negativamente ao pedido da Autoridade Palestina de investigação do ocorrido durante a Operação Cast Lead, já que a Palestina ainda não é um Estado reconhecido internacionalmente por quem importa e, por isso, não poder referir casos ao Tribunal. Numa jogada também política, o promotor Luis Moreno Ocampo sugeriu à Autoridade Palestina que recorresse ao Secretário Geral da ONU, que teria de levar a petição ao Conselho de Segurança, como um caso excepcional. Isso provocaria uma situação em que os membros do CS deveriam se pronunciar e votar pelo caminho a ser tomado.

Enquanto isso, o juiz Richard Goldstone, chefe da Missão de investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU para a Faixa de Gaza, publicou o relatório final da sua missão em setembro de 2009. Goldstone descreve as condutas do Governo de Israel e dos grupos armados de Gaza, inclusive das Brigadas El Ezedeen Al Qassam, braço militar do Hamas. Classifica vários episódios de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas toda a política envolta no processo de nomear condutas e crimes tão sérios, apesar de fundamental, nem sempre é tão clara. Por isso, o juiz Goldstone foi rechaçado por parte da comunidade judia da qual é parte e a investigação, o relatório e a justiça não vingaram. Até hoje, 1.300 vítimas palestinas e 13 civis israelenses seguem no limbo.

O Direito Internacional tem muitas lacunas, e as potências internacionais conseguem, ainda, apoiar seus aliados por atalhos já desbravados, em guerras passadas e contemporâneas. Os palestinos, por outro lado, têm investido em outras regras para contornar os impedimentos ao reconhecimento do seu Estado. Inscrever-se para a entrada na ONU ou, menos diretamente, aos seus órgãos, os tem levado por caminhos interessantes e reinstaurado o debate internacional sobre a sua condição.

A entrada na Unesco lhes possibilita começar o processo para o reconhecimento de sítios arqueológicos em Belém e das terras históricas de agricultura em Battir como patrimônio da humanidade ou histórico, por exemplo. Nessa região, várias famílias trabalham a terra usando sistemas de irrigação do período romano, e várias ruínas e tumbas do período Otomano foram encontradas; colocá-la sob proteção internacional deve servir para barrar a construção iminente de residenciais e “barreiras de proteção” israelenses. Por outro lado, ter de usar de subterfúgios como esse para a proteção de direitos básicos é inaceitável, mas pode funcionar. Por enquanto.

 

*Moara Crivelente é cientista política está terminando o Mestrado em Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e Sociais na Universidade Autônoma de Barcelona.


A criação do “Estado” de Israel – uma breve cronologia

23/11/2012

Do sítio do Brasil de Fato

22/11/2012

Elaine Tavares

Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos. Destino de violência, morte e dor. Havia acabado a segunda grande guerra, guerra feia, dura, grotesca. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apareciam à seus olhos como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os vencedores, comandados pelos Estados Unidos decidiram que havia de dar uma terra essa gente oprimida, roubada e esfacelada.

O lugar escolhido para a criação de um estado judeu foi a região da Palestina, por ali estar também o núcleo originário do povo hebreu. Naquele espaço haviam nascido as 12 tribos de Judá e era para onde os judeus sonhavam voltar. Mas, esse desejo nunca foi discutido ou compartilhado com as gentes que ali viviam há outras centenas de anos, os palestinos. Então, numa decisão vinda de cima para baixo, os 57 países que conformavam a ONU naquele então decidiram entregar 57% do território palestino para a formação do Estado de Israel. O argumento era de que lá não havia gente, era deserto, portanto, livre para ser ocupado. Mas, essa não era a verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima, Marta e Rachid. Ainda assim, numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha – qualificado por Alfredo Braga como um desonesto – 25 países votaram pelo sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram. Nascia então, por desejo dos vencedores da grande guerra, o estado de Israel. Já para os palestinos, aquele dia ficou conhecido como o “dia da catástrofe”.

Contam os historiadores que, naqueles dias que antecederam a votação – bastante tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de visom. Portanto, foi alavancado na corrupção que vingou Israel.

A proposta da ONU foi de metade do território, o que deixa bem claro que todos sabiam que aquela não era uma terra vazia. A conversa nos corredores é de que também seria criado um Estado Palestino e cada povo seguiria seu rumo. Para os que viviam na terra doada aos judeus, os meses que se seguiram foi de terror. Famílias inteiras tiveram de deixar suas casas, seu olivais, sua história. A maioria foi desalojada na força, e muitos não entendiam o que se passava. Como suas terras tinham sido doadas? Naqueles tristes dias de nada adiantou o grito da gente palestina, não se soube dos mortos, nem da destruição. A informação demorava a chegar nos lugares. Quando o mundo se deu conta do terror, já era tarde demais.

Tão logo se instalou, o governo israelense decidiu ampliar seus domínios. Não aceitou a metade, queria mais e abocanhou, na força das armas, 78% do território. os palestinos tiveram de migrar, abandonar suas vidas e tudo o que era seu. O Estado da Palestina nunca foi criado.

Todo o terror imposto por Israel ao povo palestino não terminou por aí. No ano de 1967, o governo sionista, de novo com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território em busca do domínio das regiões mais férteis, passando a ocupar mais de 80% da área,  massacrando outras tantas milhares de famílias palestinas.

Ao longo desses anos todos, por várias vezes Israel arremeteu contra o povo palestino, numa tentativa de dizimar a população. Sem conseguir, decidiu criar então um imenso campo de concentração à céu aberto. Praticamente todo o território ocupado por palestinos está cercado por enormes muros de concreto. As pessoas vivem como prisioneiras, muitas famílias foram separadas e não podem mais se ver. Muitos são os documentários que mostram as famílias se comunicando através dos muros e cercas de arame farpado, aos gritos, sem poderem se abraçar.

Nos últimos dias, Israel começou nova escala de violência, com bombardeios à Faixa de Gaza, onde se concentram os palestinos. O argumento que a televisão e as empresas de jornalismo passam é o que fala de “direito de defesa” de Israel. Vendem a ideia de que é esse estado militarizado e terrorista o que está sendo agredido.

Ora, qualquer pessoa de mediana inteligência sabe que a força de um menino com uma pedra é abissalmente inferior a de um canhão ou mísseis teleguiados. Israel quer destruir o povo palestino, quer “limpar a área”, região absolutamente estratégica para a proposta de poder dos Estados Unidos, principal parceiro de Israel nesse massacre continuado.

A resposta dos palestinos é a resposta dos desesperados. Pessoas como Fátima, Rachid, Hadija ou Kaleb nada mais querem do que viver suas vidas, estudar, sonhar com algum amor, casar, ter filhos, comer azeitonas no cair da tarde. Uma vida como a de qualquer ser humano no mundo. Mas, eles não podem fazer isso. Estão continuamente humilhados,  ameaçados pelas balas, pelos soldados, pelos tanques, pelos bombardeios. Vivem em alerta 24 horas no dia. Quando podem, reagem. Com pedras, com bombas caseiras, com autoimolação. Sim, respondem às vezes com violência extrema, mas nada menos do que o que aprendem no cotidiano de uma vida de prisioneiro em sua própria casa, acossado pelo exército invasor.

Agora, nesses dias, as famílias palestinas estão vendo morrer seus filhos, crianças despedaçadas, jovens estraçalhados. Morrem mães e pais, avós, gente simples, que está no quintal varrendo as folhas. Garotinhos que brincam nas ruas de terra. Não são terroristas, nem carregam armas. São pessoas comuns, calejadas na opressão. Não é uma guerra, onde se batem os exércitos. É um genocídio, um massacre, no qual perecem as pessoas comuns.

Pelo mundo inteiro gritam as gentes, as imagens de dor se espalham pela internet, o mundo inteiro sabe o que acontece  no imenso campo de concentração que Israel criou. Mas, toda a ação das gente é inútil. As bombas seguem caindo, armas químicas são usadas (o fósforo, que queima inteira a pessoa) e o que se vê são os governantes do chamado “mundo livre” apoiando a ação de Israel. Os Estados Unidos, que invadiu o Iraque por uma “suspeita” de que estavam fabricando armas químicas por lá, observa o uso das mesmas sobre os palestinos e diz que é um “direito de defesa” de Israel. Ou seja, se quem usa armas químicas é amigos dos EUA, está tudo bem. Hipocrisia, cinismo.

Para os movimentos sociais e militantes da causa humana, o que fica é o absurdo sentimento de impotência. Desde tão longe só o que se pode fazer é gritar, denunciar, contar essa velha história para que ela não se perca no meios da mentiras que os noticiários contam todos os dias. O conflito Israel x Palestina nada tem de religioso. Usa-se a religião para legitimar determinadas ações, os judeus julgam-se o “povo eleito”. Mas, o que se esconde por trás da aparência é a configuração geopolítica de poder. Os palestinos estão num espaço da terra que é muito importante para o projeto de dominação do Oriente Médio. Ficam na entrada principal e não são amigos dos Estados Unidos. Por isso é necessário que sejam extintos.

As bombas seguem caindo sobre as famílias palestinas, dor e morte é o que têm. Mas, os palestinos seguem defendendo sua terra e suas vidas. Não haverão de se extinguir. Estão por todo o mundo e nunca esquecerão sua história.  Cabe a nós solidarizar com esse povo valente porque nada no mundo justifica o que acontece hoje na Palestina ocupada. Israel haverá de responder à história pelos seus crimes. Mais dia, menos dia. Porque, se como dizia o grande poeta Mahmud Darwish, “ainda goteja a fonte do crime”, há que estancá-la.


Poderosos e “poderosos” no mensalão

18/11/2012

Paulo Moreira Leite

Num esforço para exagerar a dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora  foram condenados “poderosos…”
Devagar. Você pode até estar feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e cumprir longas penas.
Eu acho lamentável porque não vi provas suficientes. Você pode achar que elas existiam e que tudo foi expressão da Justiça.
“Poderosos?” Vai até o Butantã  ver a casa do Genoíno…
Poderosos sem aspas, no Brasil, não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos. Até gente que estava em grandes corrupções ativas,  com nome e sobrenome, cheque assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo)  e nada.
Esses escaparam, como tinham escapado sempre, numa boa, outras vezes.
É da tradição.  Quando por azar os poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas são anuladas e todo mundo fica feliz.
É só lembrar quantas investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos de verdade… Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se protege até da maledicência… E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o investigador vira investigado…
Poderoso não é preso, coisa que já aconteceu com Genoíno e Dirceu.
Já viu poderoso ser torturado? Genoíno já foi.
Já viu poderoso ficar preso um ano inteiro sem julgamento sem julgamento? Isso aconteceu com Dirceu em 1968.
Já viu poderoso viver anos na clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também aconteceu com os dois.
Já viu poderoso entregar passaporte?
Já viu foto dele  com retrato em cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de procurados?
Poderoso? Se Dirceu fosse sem aspas,  o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.
Não vamos exagerar na sociologia embelezadora.
Kenneth Maxwell, historiador respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre Tiradentes. Mas sobre  Maria I, a louca e poderosa.
Tanto lá como cá, diz Maxwell, tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida poupada – menos Tiradentes.
Poderoso é quem faz isso. Escolhe quem vai para a forca.
“Poderoso” pode ir para a forca, quando entra em conflito com sem aspas.
Genoíno, Dirceu e os outros eram pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.
O poder que eles representam é o do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para quem não tem poder de verdade e  depende de uma vontade, apenas uma: a decisão soberana do povo.
Por isso queriam um julgamento na véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e Comando Vermelho…
Por isso fala-se  em “compra de apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir a feira e barganhar laranja por banana.
Trocando votos por sapatos, dentadura…
Tudo bem imaginar que é assim mas é bom provar.
Me diga o nome de um deputado que vendeu o voto. Um nome.
Também diga quando ele vendeu e  para que.
Diga quem “jamais” teria votado no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.
Estamos falando, meus amigos, de direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem toda obrigação de provar seu ponto.
Como explica Claudio José Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua inocência. Isso porque ele é inocente até prova em contrário.
O Poder é capaz de malabarismos e disfarces,  mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem plutocratas com deserdados…
Poder é o que dá medo, pressiona, é absoluto.
Passa por cima de suas próprias teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus criadores, o que já está ficando chato.
Nem Dirceu nem Genoíno falam ou falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os votos daqueles que nomearam.
Imagine se, no julgamento de um poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir cadeia geral e irrestrita…
Imagine se depois o relator resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”, “é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…
Imagine um revisor sendo interrompido, humilhado, acusado e insinuado…
Isso não se faz com poderosos.
Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.
Engano.
Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”
Bobagem pensar em justiça compensatória.
Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.
Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.
Mas não custa observar, com todo respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para filhos e netos?  Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento, agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível,  onipresente, assim deseja.
Sem ilusões.
Não, meus amigos. O que está acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são iguais.
Mas a política é diferente. É só perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos.  O que houve com o desemprego, com a distribuição de renda.
E é por isso que um deles vai ser julgado bem longe da vista de todos…
E o outro estará para sempre em nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.

 
Do blog do Esquerdopata

STF deu golpe e assumiu o poder

18/11/2012

 

Por Rui Martins, correspondente em Genebra – Correio do Brasil
 
Não há dúvida, houve um golpe contra o governo petista e o STF assumiu o poder. O momento é de ditadura do Judiciário sobre o Executivo e Legislativo.
 
A mais recente tentativa de golpe pelo STF foi no julgamento do italiano Cesare Battisti, ameaçado de extradição a pedido do governo Berlusconi. Num artigo publicado na época, alertei quanto à tentativa de golpe pelo STF. O objetivo do Supremo, presidido então por Gilmar Mendes, era o retirar do presidente Lula o direito, que lhe era garantido pela Constituição, de decidir se Battisti seria ou não enviado ao governo italiano.
 
Antes disso houve, e o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, denunciou diversas vezes, a inconstitucionalidade da decisão tomada pelo STF, ultrapassando seus poderes, de ignorar a decisão do ministro da Justiça negando expatriar Cesare Battisti. Gilmar Mendes e Peluso tudo fizeram para expatriar Battisti, julgando-se mais competentes na matéria que o Ministério da Justiça e, atingido esse objetivo, queriam se sobrepor ao direito do presidente Lula dar a última palavra. Essa tentativa de somar mais poder e desmoralizar o presidente se frustrou e Lula deu acolha ao italiano, que tinha passado mais de dois anos ilegalmente preso.
 
Porém ficou evidente – o STF era incompetente na questão Battisti, seu longo julgamento deve ser considerado nulo e desnecessário, pois a questão já havia sido resolvida pelo ministro da Justiça. Em todo caso, desrespeitando o princípio constitucional da equiparação dos Poderes, o STF decidiu por maioria de um voto pela extradição de Battisti sem dispor de provas, optando pela versão unilateral do governo italiano.
 
Não me lembro qual foi a posição do ministro Joaquim Barbosa quanto a Battisti, mas me parece não ter votado por estar em licença por doença.
 
O jurista Carlos Lungarzo, que publica nos próximos dias um livro sobre o caso Battisti, demonstrou com base em documentos europeus a inconsistência dos argumentos italianos contra Battisti e a leviandade de ministros do STF em condenar sem provas o italiano à extradição. Mas nessa primeira tentativa do STF se sobrepor ao Executivo, um precedente foi criado – a última instância judiciária do país, em desrespeito ao princípio básico de Direito, de que não pode haver pena sem prova de crime ou delito, criou a perigosa jurisprudência de que se pode condenar sem provas concludentes.
 
Tal procedimento lembra os do Tribunal Especial na França ocupada e que consistia em dar a aparência de julgamentos legais a condenações pré-decididas pelo governo de Vichy contra personalidades francesas contrárias à Ocupação nazista. Uma constante é a de que toda vez que o Judiciário se prestou a maquiar perseguições políticas como julgamentos legais foi em obediência a ditaduras de direita ou de esquerda.
 
Ora, no Brasil, ocorre uma diferença fundamental – a última instância do Judiciário assumiu autonomia própria e age inclusive contra o governo, com o intuito de desmoralizá-lo e de assumir suas prerrogativas e seu poder, para confiná-lo apenas na governança.
 
O exemplo mais recente de golpe legal, é o do ocorrido no Paraguai, onde o Parlamento, interpretando à sua maneira um texto da Constituição, decretou o impeachment do presidente eleito pelo povo, derrubou-o e passou o poder ao vice-presidente. Ou seja, o Legislativo, contanto com a complacência do Judiciário, deu o golpe no Executivo.
 
Agora no Brasil, a condenação do principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus ministros-juizes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela presidenta Dilma e isso pode implicar até na privatização de estatais, como a cobiçada Petrobras, como no impeachment de governadores, prefeitos e até numa inelegibilidade do ex-presidente Lula.
 
Outro aspecto importante na condenação de José Dirceu está na exigência de ser colocado em cela comum, desobedecendo-se outro preceito legal, que beneficia com tratamento diferentes todos os universitários e ao qual Dirceu teria direito como bacharel em Direito.
 
Essa exceção reforça a suspeita de não se tratar de um julgamento equitável, mas de um ajuste de contas, alguma coisa parecida com vingança ou revanchismo de perdedores.
 
Por que tanto ódio contra José Dirceu ? Não pertenço ao PT e me sinto à vontade para comentar. Mesmo se muitos petistas fundadores deixaram o partido por divergir das concessões feitas pelo governo Lula, não se pode negar ter sido Dirceu o principal articulador da eleição de Lula para a presidência. Além disso, foi um resistente contra a ditadura militar. E, embora acusado sem provas mas por ilação como envolvido no episódio do Mensalão, não se tratava de enriquecimento pessoal.
 
Se nos reportarmos ao ano 2005, quando estourou o caso Mensalão, fica evidente que o alvo daquela campanha era o presidente Lula – o objetivo principal era o de se provocar um impeachment e derrubar Lula. Eu fazia a correção das provas do meu livro sobre Maluf (Dinheiro Sujo da Corrupção – Geração Editorial), e tive tempo de incluir um capítulo sobre o que considerei como um escândalo de excessivas proporções. Não se tratava de se justificar o ato de compra dos votos do parlamentares, mas de uma observação realista.
 
E eu citava, como costumo citar, o exemplo suíço, país considerado dos mais honestos, onde existe uma versão legal de um tipo de mensalão. Todo deputado ou senador eleito recebe imediatamente o convite das grandes empresas suíças, desde bancos a laboratórios farmacêuticos  para ser vice-presidente do conselho de administração. O objetivo é o de evitar leis que prejudiquem tais bancos ou empresas e o de criar leis que os beneficiem. Trata-se de um compra indireta dos votos dos parlamentares, que poderia também ser considerada como lobby, mas que implica no pagamento de um salário mensal ao parlamentar.
 
O então presidente do equivalente à nossa Câmara Federal, Peter Hess, era em 2005, vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças, o que lhe garantia mais de 400 mil dólares mensais. E isso sem qualquer escândalo.
 
A diferença é que, na Suíça, não é um partido que compra o voto de parlamentares mais ou menos honestos, porém as empresas privadas. O fato de na Suíça haver uma versão local de mensalão não justifica essa prática, mas pode lhe dar a verdadeira dimensão.
 
É evidente que, no Brasil, não se condena o Mensalão como prática desonesta, trata-se de um jogada política para se desmoralizar os petistas, que acabou não surtindo efeito nas eleições (por que diabo o STF escolheu a época das eleições para julgar o Mensalão?), mesmo porque dizem ter havido compra de votos na emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC. Iria o STF julgar agora, sem provas, também o FHC? Outro aspecto importante – estão condenando os chamados corruptores de parlamentares, mas não punem os parlamentares corruptos ?
 
E agora ? O STF deixou de interpretar as leis, de manter ou anular julgamento, para aplicar sentenças e mesmo acusados não parlamentares não tiveram direito a julgamentos normais em primeira e segunda instância. Deve-se aceitar a humilhação de José Dirceu e os riscos que correrá em prisão comum, quando dentro de dois anos a Suíça devolverá os milhões bloqueados de Maluf, por não ter havido condenação pelo STF ? quando Pimenta Neves vive tranquilo em prisão domiciliar depois de ter matado a sangue frio a jornalista Sandra Gomide ?
 
Em termos de recursos, as possibilidades de se adiar a execução da pena de José Dirceu são mínimas. Que tribunal acima do STF poderá arguir da condenação sem prova formal ? E da inconstitucionalidade do Judiciário ultrapassando sua competência ? Só um Conselho Constitucional, caso exista como na França, onde leis e sentenças ou decisões judiciárias podem ser anuladas em caso de inconstitucionalidade.
 
Ou será que José Dirceu é culpado por ter contribuído à diminuição da desigualdade social no Brasil, à ascensão dos negros às escolas e universidades, à projeção do Brasil como sexta potência mundial ? ou de ter articulado a eleição à presidência de um operário quebrando a hegemonia das elites brasileiras ?
 
Talvez o Brasil ainda não tenha se curado dos repetitivos golpes e tentativas de golpe, constantes na história da República. Getúlio se matou porque havia movimento de tropas para derrubá-lo; Café Filho e Carlos Luz queriam invalidar a eleição de Juscelino e Jango; depois da renúncia de Jânio, Jango só assumiu com a criação do parlamentarismo, um golpe indireto para anular seu poder presidencial; mesmo assim, foi derrubado pelos militares para não concretizar as reformas de base; depois da ditadura militar corremos agora o risco de uma ditadura light ou soft ditada pelo STF ?
 
Em todos esses episódios, os golpes e tentativas visavam governos populistas ou reformistas interessados em dar mais direitos aos trabalhadores ou excluídos e restringir os privilégios da elite dominante.
 
Do blog do Esquerdopata

O Estado de Direito e o Direito de Estado

17/11/2012

Uma Comparação do asilo concedido a Cesare Battisti e o julgamento do Mensalão

Por Fábio Brito

 

 

Cesare Battisti – Foto do UJS Maringá

Em 13/01/2009,  o Brasil concedeu refúgio político ao italiano Cesare Battisti, por considerar que existe “fundado temor de perseguição por motivos de raça (…) ou opinião política”. Battisti foi condenado por crimes de assasinato pelo Estado italiano. No entanto, segundo Tarso Genro, a Itália reconhece a conotação política dos crimes, pois na sentença de Battisti consta o crime de associação subversiva, “com a finalidade de subverter o sistema econômico e social do país”.

O jornalista Mino Carta, então, apregoava aos quatro ventos, que o mesmo tratava-se de um criminoso comum, que havia participado de assassinatos em seu país de origem e que o mesmo teve um julgamento justo, havendo decidido fugir e não responder as acusações na justiça, mas que, mesmo assim, a Justiça Italiana agiu de forma correta, no seu caso, e o condenou à revelia. Reiteradamente, Mino justificava suas posições informando que, a Itália de então, vivia em pleno Estado de Direito e que sua constituição era respeitada, não havendo sofrido, a mesma, mudança de nenhuma escassa vírgula.

No julgamento da Ação Penal 470, no STF, foram julgados políticos e empresários pelos mais diversos delitos, entre eles: corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A maior parte das pessoas envolvidas, foram condenadas, em pleno vigor do Estado de Direito e sem que fosse alterada uma escassa vírgula da constituição de nosso país.

Não há aqui a intenção de fazer comparações entre os personagens históricos de Cesare Battisti e José Dirceu, José Genoíno ou qualquer outro que tenha participado do julgamento da AP 470. Nem tampouco estabelecer paralelo entre suas ações. Não se indaga aqui, também, se Battisti ou outro qualquer acusado do mensalão, eram, enfim, culpados ou inocentes pelos crimes a eles imputados.

No entanto, existe algo entre os dois fatos que nos leva a reflexão. Tanto na condenação do Cesare Battisti quanto no julgamento da AP 470, o Mensalão, na Itália e no Brasil, a constituição era respeitada e o Estado de Direito permanecia intocado.

Longe de sugerir que isto significa que Battisti era apenas um jovem escoteiro, que desejava fazer o bem para a humanidade, e salvar o seu país das garras do mau, pergunta-se, será que o mesmo que ocorreu por aqui nestes trópicos, não poderia, também ter ocorrido por lá?

Quando o Brasil concedeu asilo ao Battisti, não entendi bem porque o governo brasileiro se meteu nesta empreitada. Particularmente, o fato me fez recordar o caso infeliz da concessão de asilo político ao Alfredo Stroessner, que foi ditador do Paraguai, na mesma época que, no Brasil, vivíamos uma ditadura sanguinária, que privilegiava uma elite torpe e tolhia seu povo dos mais elementares direitos. Como se dizia na época, era preciso fazer o bolo crescer primeiro, para, somente depois, poder repartir. No entanto, quando o povo chegava para a festa, os ratos não haviam deixado nem as migalhas.

O que me causou grande indignação com a atitude do jornalista Mino Carta, e, também, do Governo Italiano, foi o aberto desrespeito ao Governo Brasileiro e à decisão do presidente Lula, que, a partir de informações de sua equipe, tendo à frente o Ministro Tarso Genro, decidiram pela concessão de asilo ao italiano.

A contestação pública do Governo Italiano a uma decisão soberana do Brasil, tendo, inclusive, recorrido ao STF, para alterar esta decisão, significou uma afronta ao nosso país.

Chama a atenção a desmedida e grande pressão sobre o governo brasileiro, reverberada pela imprensa bandida do Brasil, sobre o caso Battisti. Diante de tamanha pressão, organizada para fazer o governo brasileiro mudar sua decisão, não é de se perguntar se os temores do Ministro Tarso Genro tinham fundamento e que o Battisti pudesse, inclusive, ser assassinado na prisão?

Se a Itália de hoje é um país democrático e preocupado em fazer justiça contra pessoas que atentaram contra seu povo, por que não usa o mesmo parâmetro para extraditar o uruguaio Jorge Troccoli, que foi um dos agentes da ditadura em seu país e responsável por inúmeros casos de torturas, assassinatos e desaparecimentos, inclusive de descendentes de italianos?

Jorge Troccoli, era capitão dos Fuzileiros Navais do Uruguai e agente importante, em seu país, na implementação da “Operação Condor”, que foi uma articulação supranacional, comandada pelos Estados Unidos, para sufocar a possibilidade de os países da América do Sul sairem de sua zona de influência. “A América para os americanos” é uma expressão que pode dimensionar como os estadunidenses vêem o “resto” das Américas. As Américas “pertencem” aos Estados Unidos e os “americanos” da frase são eles próprios e mais ninguém.

O jornalista Mino Carta, por diversas vezes usou a sua revista, a Carta Capital, para criticar a decisão do Presidente Lula. O fato em si, me fez comparar a sua atitude, nesta questão pontual, a atitude que a maior parte da imprensa brasileira tem, quanto a praticamente todas as medidas de inserção social do governo brasileiro, a partir do primeiro governo de Lula.

O PIG usa todos os meios de que dispõe para achincalhar e desmerecer as políticas reparativas e que visem a distribuição de renda em nosso país. A Veja só tem poupado os governos de Lula e Dilma nos espaços destinados a seus anunciantes, em todo o resto, exercita-se um ódio visceral contra os governos que tem ousado olhar, minimamente, para as necessidades da população brasileira.

A diferença é que, além de usar de forma desproporcional o espaço das páginas que tem, para tentar desestabilizar o governo eleito pelo povo, tanto a revista, como as demais famílias que detém meios de comunicação no Brasil, fazem isto de forma organizada, orquestrada, buscando dar ares de veracidade máxima à desqualificação de governos que busquem equilibrar o tratamento dispensado ao povo ao da elite.

Reputo Mino Carta como um excelente jornalista. A revista Carta Capital, é, sem sombra de dúvidas, a melhor revista semanal do Brasil atual. Suas posições, da revista e do Mino, são as que mais se aproximam dos interesses da imensa maioria do povo brasileiro. No entanto, o Mino e sua revista, foram desproporcionais em suas críticas e contestações da atitude do governo brasileiro. Infelizmente uma mancha em suas biografias.

Convém, aqui, abrir espaço ao professor Dalmo De Abreu Dallari:

(…) muito recentemente o governo da França negou atendimento a pedido italiano de extradição de Marina Petrella, que, como Battisti e na mesma época, foi militante político armado, as Brigadas Vermelhas. O governo italiano acatou civilizadamente a decisão francesa, reconhecendo-se tratar-se de um ato de soberania. Qual o motivo da diferença de reações? O governo e o povo do Brasil não merecem o mesmo respeito que os franceses?

(…) A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado Brasileiro. (Folha de São Paulo – 19/01/2009 – p. A3).

Nem tudo é perfeito.


Nota do PT sobre a Ação Penal 470

16/11/2012

14/11/12 – 18h14

Rui Falcão (D), presidente nacional do PT,junto com o secretário de Comunicação, André Vargas (PT-PR) – Foto: Luciana Santos/PT

Divulgação de nota do PT sobre a Ação 470 do STF

Notícias

Leia o documento aprovado nesta quarta-feira durante reunião da Comissão Executiva Nacional do PT, em São Paulo

O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470

O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.

1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa

O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.

A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.

Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.

Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.

Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.

Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.

2. O STF deu valor de prova a indícios

Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.

À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.

Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.

3. O domínio funcional do fato não dispensa provas

O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a condenação.

Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”…

Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.

Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.

4. O risco da insegurança jurídica

As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.

Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.

Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários locais.

Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.

Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.

5. O STF fez um julgamento político

Sob intensa pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT – ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.

Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal – assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior – faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.

Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.

Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.

No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).

Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.

Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.

Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das eleições.

A luta pela Justiça continua

O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente – que o PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional – não justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.

Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.

A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.

Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6a.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.

Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal.

Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.

É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político – o que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais – e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.

Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da liberdade.

São Paulo, 14 de novembro de 2012.

Comissão Executiva Nacional do PT.


Manifesto defende reaglutinação de forças no Brasi para enfrentar crise mundial

16/11/2012

publicado em 15 de novembro de 2012 às 11:26

Um grupo de forças progressistas e de esquerda está articulando um manifesto de reflexão sobre a crise econômica e política mundial e de reaglutinação de forças no Brasil. A reunião de lançamento desse manifesto deve ocorrer no início de dezembro, no Rio de Janeiro. Entre os apoiadores da iniciativa estão nomes como Luiz Pinguelli Rosa, Marcio Pochmann, João Pedro Stedile, Samuel Pinheiro Guimarães, Carlos Lessa, Moniz Bandeira e Luiz Carlos Bresser Pereira.

por Marco Aurélio Weissheimer, em Carta Maior

Porto Alegre – Um grupo de forças populares, progressistas e de esquerda está articulando um manifesto de reflexão sobre a crise econômica e política mundial e de reaglutinação de forças no Brasil. A reunião de lançamento desse manifesto deve ocorrer no início de dezembro, no Rio de Janeiro. A pauta principal dessa primeira reunião será definir formas e meios de ação a partir de um programa de 11 pontos adotado no texto. Para tanto, será debatida a criação de um movimento em defesa da democracia, do Brasil e da paz. A ideia é que Oscar Niemeyer seja aclamado como presidente de honra desse movimento que tem como integrantes de sua comissão organizadora, Luiz Pinguelli Rosa, Marcio Pochmann, João Pedro Stedile, Samuel Pinheiro Guimarães, Pedro Celestino, Roberto Amaral e Ubirajara Brito.

O manifesto já reúne mais de 150 signatários. Além dos nomes citados acima há outras personalidades de renome nacional como Carlos Lessa, Ennio Candotti, Geraldo Sarno, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Luiz Carlos Bresser Pereira, Manuel Domingos Neto, Mauro Santayana e Pedro Casaldáliga.

O documento parte do diagnóstico de que, em 2012, “o mundo entrou em momento de grave perigo, que ameaça degenerar em guerras e destruições de grande escala”. “O agravamento da crise do capitalismo em escala mundial”, prossegue, “coincide, não por acaso, com iniciativas aventureiras de expansão imperialista no Oriente Médio, mas com alastramento possível a outros continentes”.

As deflagrações decorrentes deste cenário, diz ainda o texto, podem resultar em danos terríveis, inclusive para o Brasil, ressaltando que, aqui, entretanto, se abrem ao mesmo tempo oportunidades de aceleração do desenvolvimento econômico e institucional, que reclamam a mobilização na defesa da democracia, dos interesses nacionais e da paz. E conclui: “É urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mas forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade”.

Leia a seguir a íntegra do manifesto:

A CRISE MUNDIAL, A DEFESA DO BRASIL E DA PAZ
EM 2012, o mundo entrou em momento de grave perigo, que ameaça degenerar em guerras e destruições de grande escala. O agravamento da crise do capitalismo em escala mundial coincide, não por acaso, com iniciativas aventureiras de expansão imperialista no Oriente Médio, mas com alastramento possível a outros continentes.

Das conflagrações daí decorrentes podem resultar danos terríveis inclusive para o nosso país. Aqui, entretanto, se abrem ao mesmo tempo oportunidades de aceleração do desenvolvimento econômico e institucional. Estas reclamam, para se realizar, a mobilização popular na defesa da democracia, dos interesses nacionais e da paz.

I – NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, especialmente após a extinção da União Soviética, uma potente ofensiva de direita abriu caminho para uma aparente vitória definitiva do sistema capitalista liderado pelo imperialismo estadunidense, que se pretendeu globalizado. Essa ofensiva afetou profundamente intelectuais e ativistas dos antigos movimentos e partidos de esquerda. Em grande medida, eles foram absorvidos por duas vertentes que, por caminhos diversos, incorporavam as ideias de vitória capitalista. Não poucos aderiram diretamente à ideologia neoliberal, que atribui ao mercado o poder exclusivo de decidir sobre questões econômicas, sociais e políticas. Outros, também numerosos, inclinaram-se à ideia de vitória do capital, mas o fizeram em diversas construções ideológicas com retórica de esquerda, que aceitam e difundem ideias básicas do neoliberalismo, tais como as do império global, da prevalência inevitável do mercado, da falência do conceito de Estado e, por consequência, do conceito de soberania nacional, do fim da luta política organizada das massas de trabalhadores, da transformação destas em “multidão”, etc.

Essa ofensiva intensificou-se após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. O governo deste país enveredou por uma política de ruptura declarada e prepotente com o regime de respeito à soberania dos Estados e passou a encabeçar um processo de volta às trevas nas relações entre povos e países. Comandado pelo complexo industrial militar, depois de por seu próprio povo sob tutela a ponto de privá-lo de direitos civis básicos – entre os quais o direito ao habeas corpus –, adotou uma diretriz de projetar sua soberania sobre o mundo inteiro e intervir em qualquer país onde, a seu critério, seus interesses o reclamem. Proclamou para si o direito de ignorar fronteiras nacionais e instituições internacionais a fim de empreender em qualquer rincão do planeta ações militares de todo tipo, em grande escala, com invasões e bombardeios, ou em pequena escala, com operações abertas ou encobertas de assassinato em série de civis que os desagradem, ou de sequestrá-los e submetê-los a trato de presas de guerra, sem quaisquer direitos legais.

A ofensiva expansionista dos Estados Unidos e seus aliados, principalmente ex-potências colonialistas da Europa, disfarçada sob bandeiras humanitárias, despertou natural indignação e resistência no mundo e, em primeiro lugar, nos povos agredidos. A progressiva inserção da China no papel de potência mundial, o ressurgimento da Rússia nessa categoria, a afirmação da Alemanha como principal liderança europeia e a emergência de novos atores, como Índia e Brasil, todos buscando o estabelecimento de uma ordem mundial multipolar, também se contrapõem à expressão da estratégia de poder sem limites dos Estados Unidos.

Sem perder a arrogância, dispondo ainda de grandes reservas de expressão de poder e com um aumento de agressividade similar ao que ocorre com predadores acuados, o governo de Washington vem gradativamente decaindo para uma situação de dificuldade econômica, política e militar, ao mesmo tempo em que cresce a consciência mundial sobre o caráter de rapina do imperialismo estadunidense e sobre a necessidade de resistir a ele.

II – O REPÚDIO À prepotência dos Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela, manifestados com força crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais uma vez a importância do fator nacional na luta política. Os Estados nacionais, ao invés de desaparecerem, regressaram com força maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da dominação ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização popular nos movimentos revolucionários desde a luta pela independência nos próprios Estados Unidos, repontando sempre, sob diversas formas, na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução Cubana, volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como força transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no início apontam para objetivos patrióticos e parciais, mas tendem a avançar para conquistas democráticas de maior alcance social.
Esse ressurgimento do fator nacional no centro da ação política é realidade hoje por toda parte no mundo. É entretanto na América do Sul que ele encontra sua manifestação mais saliente e que mais de perto interessa aos brasileiros.

III – A CONDIÇÃO ISOLADA e pouco relevante da América do Sul no quadro dos grandes conflitos em que se envolveram os Estados Unidos, afinal, deixou este país, que se empenhava em vultosas ações em outros continentes, tolhido para intervir nessa região que ele tradicionalmente considerou seu “quintal”. Num eco à assertiva clássica de que a revolução escolhe o elo mais fraco da corrente para eclodir, isto parece ter contribuído para que os povos sul-americanos percebessem a oportunidade de responder às humilhações e infortúnios que durante mais de um século lhe impusera a política imperialista de Washington.

Em 1998, elege-se na Venezuela o presidente Hugo Chávez, com uma plataforma antiimperialista e com a intenção de cumprir o prometido. Em 2002, elege-se no Brasil o presidente Lula, que alterou gradativamente a política econômica neoliberal dos governos anteriores para beneficiar a aceleração do desenvolvimento econômico, e adotou uma política de socorro às camadas mais pobres da população, fortalecendo com isso o mercado interno; adotou também uma política externa de autonomia em relação aos Estados Unidos, que permitiu rejeitar o ominoso projeto da ALCA, livrar o Brasil da subordinação ao FMI, privilegiar a aproximação com a América do Sul, com fortalecimento do Mercosul e da Unasul, assim como permitiu expandir as relações do Brasil com países e povos da África, do Oriente Próximo e da Ásia.

Em 2003, elege-se na Argentina o presidente Néstor Kirchner, que enfrentou a banca internacional a fim de livrar seu país de uma dívida externa abusiva e impagável, conseguindo com isso condições para colocar a nação vizinha numa trilha de desenvolvimento sustentado, que hoje prossegue sob a presidência de Cristina Fernandes de Kirchner. As eleições de Evo Morales na Bolívia, Rafael Correia no Equador, Fernando Lugo no Paraguai, José Mujica, no Uruguai, e Ollanta Humala no Peru, deram maior firmeza à tendência de expansão na América do Sul de governos empenhados em alcançar expressão soberana e desenvolvimento pleno, econômico, cultural e social de suas nações.

Essa tendência não é retilínea, nem imbatível. Em cada país, a ela se opõem fortes correntes internas de direita alinhadas com os Estados Unidos, que atuam orquestradas em escala internacional e dominam a mídia, os bancos, setores importantes do empresariado local e agrupamentos militares. Com apoio financeiro, político e militar dos Estados Unidos e de outros países imperialistas menores, assim como de seus órgãos de espionagem e operações encobertas, de ONGs financiadas por empresas e governos imperialistas, de sociedades secretas tipo Opus Dei etc., tais setores de direita empreendem em seus países e na região uma campanha sem trégua através da maioria dos órgãos da grande mídia mercantil. Esta assume caráter de partido político reacionário, cuja finalidade é impedir que se elejam governantes comprometidos com os interesses nacionais e, quando não consegue isto, tentar acuar e tornar refém o governante eleito para, se julgar possível e oportuno, derrubá-lo. É o que se vê na Venezuela, na Bolívia, no Brasil, na Argentina, no Equador, em toda parte. Os golpes de Estado em Honduras e, mais recente, no Paraguai, são inequívocos sinais de alarme nesse sentido.

IV – HÁ NESSE PROCESSO de ascensão nacional e democrática na América do Sul uma singularidade que lhe dá força de sustentação: ele se desenvolve com a rigorosa observância pelos governos das normas do regime de democracia modelo estadunidense, que pressupõe a mídia submetida aos bancos e outros grandes patrocinadores privados e as eleições, sujeitas a campanhas publicitárias de alto custo, subvencionadas por doações de empresas milionárias. A vitória e a permanência de governantes que desagradam à direita, em condições tão adversas, tornou-se possível graças a uma elevação da consciência política das massas populares. Estas aprenderam a descolar-se do discurso das grandes redes midiáticas na hora de escolher candidato e ajuizar governo. Com isso, definhou o poder de empossar e derrubar governos que a mídia dos grandes negócios exibia em décadas passadas.

Criam-se portanto condições novas que favorecem e exigem a recuperação das correntes progressistas e sua intervenção na cena política. No plano internacional, a luta contra a política de guerras sem fim do imperialismo estadunidense e seus associados, que hoje preparam uma agressão de grande escala e consequências imprevisíveis à Síria e ao Irã, é meta que a todos deve unir. Na América do Sul, e no Brasil em particular, impõe-se a luta em defesa dos interesses nacionais, em especial na resistência às tentativas de projeção dos interesses imperialistas de Washington em relação ao petróleo do pré-sal e das Malvinas. Essa projeção já tomou forma concreta com o estabelecimento de novas bases militares estadunidenses na região e com o deslocamento para o Atlântico sul da IV Frota da Marinha dos Estados Unidos. A luta pela preservação e o aprofundamento do regime de-mocrático, da soberania e da coesão dos Estados da região é diretriz que favorecerá a mobilização de forças capaz de vencer as fortes coalizões de direita e assegurar o avanço econômico, político e social de nossos povos e nações.

V – NÃO HÁ RECEITAS PRONTAS nem caminhos traçados para essa luta. As experiências vividas por outros povos, no passado ou no presente, servem de lição e inspiração, mas não servem de modelo. A originalidade e a variedade das soluções que a vida vai gerando nos países sul-americanos são muito fecundas. Em comum, existe entre elas a circunstância de que são encabeçadas por líderes não egressos das classes dominantes, que souberam perceber e potencializar o desejo de mudança das massas populares e o descrédito entre elas daqueles partidos e instituições que conduziam antes a vida política. Essa origem em lideranças pessoais fortes é ao mesmo tempo positiva, porque facilita a participação das grandes massas no processo político, e negativa, porque põe esse processo na dependência das escolhas e limitações pessoais do líder.

Mas a necessidade de recorrer à mobilização popular – uma vez que as forças poderosas que o hostilizam ao mesmo tempo manipulam as grandes empresas de comunicação, as instituições políticas formais e facções militares – induz o líder a estimular a gestação de novas formas de organização de massas do povo trabalhador para o combate político e até para a resistência organizada. Chama a atenção, nesse sentido, especialmente na Venezuela, na Bolívia e no Equador, a ascensão em bairros proletários de associações de moradores que se articulam em torno de conselhos comunitários e, ao mesmo tempo, defendem os interesses imediatos da população local, têm presença ativa na resistência ao golpismo e pressionam em favor do aprofundamento da democracia.

VI – NO BRASIL, os movimentos sociais organizados são ainda débeis. O governo do presidente Lula refletiu essa debilidade. Manteve uma política econômica em que ainda havia espaço para o neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder aquisitivo da população pobre e desenvolveu uma política externa de autonomia em relação ao imperialismo estadunidense e defesa da paz. A presidente Dilma mantém nas linhas gerais essa diretriz.

Por sua política de favorecimento aos pobres e à soberania dos povos sul-americanos, o presidente Lula foi alvo de uma incansável campanha hostil da mídia. Para defender-se, ele se apoiou porém, quase exclusivamente, em sua popularidade pessoal. Isso o deixou vulnerável a pressões e prejudicou suas possibilidades de avanço.

A presidente Dilma, diante do agravamento da crise financeira internacional, avança na política econômica, enfrentando a questão do freio dos altíssimos juros à expansão da economia nacional, corrigindo na política de câmbio a valorização excessiva do real e mantendo e ampliando as políticas de inclusão social. No plano externo, embora com mudança de ênfase, persiste de modo geral a afirmação de política não alinhada aos Estados Unidos. A mídia dos grandes negócios busca abrir um cisma entre Dilma e Lula, para que se fragilize o campo popular.

É portanto urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mais forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com os interesses do país e da sociedade.
Um elenco de propostas nesse sentido deve incluir:

1) a efetiva aceleração do desenvolvimento econômico do país;
2) a subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento;
3) a posse dos recursos naturais do país e a recuperação das empresas e recursos públicos estratégicos dilapidados;
4) a efetivação de um programa de reforma agrária que penalize o latifúndio improdutivo e beneficie as propriedades produtivas de pequeno e médio porte;
5) a destinação de maiores verbas às políticas públicas de educação, o fortalecimento do ensino público e a melhor adequação dessas políticas aos interesses do desenvolvimento tecnológico e cultural do país;
6) o reforço aos orçamentos de entidades de saúde pública, a obrigação dos serviços privados de seguridade de ressarcirem gastos dos serviços públicos de saúde com atendimento a segurados dos serviços privados, o fomento à pesquisa de aplicação de novos procedimentos de saúde sanitária básica, preventiva e de tecnologia atual;
7) a mudança da política de repressão policial dirigida contra a população mais pobre, principalmente não branca, por uma política democrática de segurança pública, o fortalecimento da política de não discriminação de gênero;
8) o reforço do controle pelo poder público das concessões de meios de comunicação a grupos privados com vistas ao aprofundamento do regime democrático;
9) o reequipamento das Forças Armadas e a dotação a elas de recursos necessários à eficiente defesa do território nacional, assim como a adequação do conteúdo da formação nas escolas militares à defesa da democracia e dos interesses fundamentais do país;
10) a ampliação e a consolidação da política de unidade com a América do Sul – essencial para a preservação dos governos progressistas na região; e
11) a defesa de uma política externa de respeito à soberania dos Estados, de relações amistosas com todos os povos e de defesa da paz.

Muitas são as metas a nos desafiarem, cujo alcance requer todo o engenho e toda a força que sejam capazes de unir e mobilizar, com sentido estratégico e espírito transformador, as correntes progressistas em nosso país, sem distinção dos partidos e associações a que estejam filiadas. Povo e governo precisam mobilizar suas reservas de sentimento cívico e patriótico, para que o Brasil possa aproveitar a grande oportunidade que tem hoje de consolidar-se como nação soberana, projetada no cenário mundial e consolidada em seu papel de lastro do processo democrático de reconstrução nacional, pacífico e progressista, que se desenvolve na América do Sul.

Do VioMundo