Israel e a Palestina, entre a mídia e a política

23/11/2012

Do sítio do Brasil de Fato

22/11/2012

Moara Crivelente*

 

Visitar Israel e Palestina, para os que se dedicam a acompanhar este conflito armado de mais de seis décadas, significa presenciar e experimentar as cenas e condições de violência reproduzidas cotidianamente, nos meios de comunicação e na realidade. É o caso dos postos de controle, dos muros de separação, dos soldados israelenses onipresentes, das limitações ao comércio palestino subsistente, da ocupação territorial, das prisões administrativas, das separações impostas entre parentes e entre agricultores e as suas terras, e outras violações de direitos humanos já institucionalizadas.

Chegar ao aeroporto é sempre uma surpresa, já que, antes de partir, pude ouvir todo o tipo de situações a esperar das autoridades israelenses. Os oficiais do aeroporto fazem buscas no Google sobre algumas pessoas e, encontrando informações que as denuncie como favoráveis à causa palestina, obrigam-nas a assinar documentos em que se comprometem a não entrar em território palestino. A outras, por vezes palestinos que não vivem em Israel ou na Palestina, os oficiais pedem senhas de e-mail ou do Facebook, situação que pude observar em primeira mão. A própria jornalista Amira Hass, do diário israelense Ha’aretz, escreveu sobre isso.

Qualquer pessoa que viaja a Israel deve se preparar para todo o tipo de possibilidades, desde inspeções ao próprio computador até as revistas usuais do corpo, da mala e da alma: perguntas relacionadas à religião e ao nome próprio dos pais, por exemplo, são comuns. Na saída, outra vez, os oficiais repetem as mesmas perguntas, uma e outra vez: questionam as motivações, a religião, os contatos, os nomes dos pais, os percursos e as atividades realizadas durante o período de estadia. Para um país que tanto investe em turismo, porém, essa abordagem pode ser um tanto antiproducente.

Para os palestinos, a situação é pior, obviamente. Ali Dajani, um jovem comerciante de Jerusalém, foi estudar a língua russa na Ucrânia, onde viveu por dois anos. Ao voltar, os oficiais israelenses o fizeram despir e o mantiveram por mais de uma hora dentro de um cubículo, em baixa temperatura. Fizeram-lhe todo o tipo de perguntas e, Ali garante, há casos piores. Além disso, a problemática de grandíssimo peso sobre a documentação dos palestinos é frequentemente negligenciada.

 

Identificação e refugiados

Outras questões importantes incluem a organização política palestina e as reivindicações mais marcantes no tocante às negociações: a definição das fronteiras como as conhecidas pré-1967 – quando houve a Guerra dos Seis Dias, em que Israel avançou significativamente para dentro do território palestino – e o direito de retorno para os palestinos, que é uma das demandas-chave. Este último se refere ao direito dos refugiados palestinos e seus descendentes de voltar aos seus lares pré-1948, quando o Estado de Israel foi estabelecido, na chamada Palestina histórica.

A ONU reconheceu o direito de retorno através de uma resolução da Assembleia Geral (194, de 11 de dezembro de 1948), mas ele ainda não foi efetivado: em 2008, a população mundial de palestinos refugiados foi estimada em 7,2 milhões de pessoas pelo Centro Badil de pesquisas, de Belém.

Os palestinos que nascem em Jerusalém obtêm um documento de identificação israelense, o que não lhes garante direitos civis propriamente ditos. A identificação, preenchida em hebreu, permite aos oficiais israelenses ter todo o histórico do palestino que decidir abordar: nome dos pais, dos avós e do cônjuge, o número de filhos, endereço e outras informações mais comuns. Além de não lhes garantir nenhum direito, o documento de identificação lhes restringe ainda mais o movimento: a certos palestinos não é permitido circular por várias áreas.

O mesmo ocorre para os palestinos que, vivendo em território israelense – como reconhecido por seus aliados – decidiram aceitar a proposta de obter cidadania israelense, durante os chamados Acordos de Oslo, no início da década de 1990. Hoje, com uma rota complicada de negociações sobre a sua condição e sem grandes soluções alcançadas, esses “árabes israelenses”, como são classificados, são vetados também de outros países vizinhos. O resultado dessas políticas e desses desencontros é que milhares de palestinos não têm qualquer nacionalidade oficial: integram o grupo de “pessoas sem Estado” já tão extenso no âmbito internacional.

Para sair de Israel, alguns palestinos recorrem aos documentos de viagem emitidos pela vizinha Jordânia, o que também não lhes garante quaisquer direitos civis. De fato, para viajar para a Jordânia, mesmo com esses documentos, precisam pagar pelo visto ao entrar no país, como os outros estrangeiros. Os palestinos formam parte do grupo de refugiados mais antigo – assim reconhecidos internacionalmente – ao qual se dedica a Agência da ONU para os Trabalhos de Apoio, para os Refugiados Palestinos (UNRWA, em inglês), criada pouco depois da própria ONU, em 1949.

Um refugiado palestino, segundo a agência, é qualquer pessoa “cujo lugar de residência normal era a Palestina durante o período entre 1º de Junho de 1946 até 15 de Maio de 1948 e que perderam tanto os lares quanto os meios de subsistência como resultado do conflito de 1948”.

Além disso, também os descendentes dos homens palestinos reconhecidos como refugiados são considerados refugiados. O mandato da agência se estende entre Jordânia, Síria, Líbano e os territórios palestinos: a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Segundo a Sociedade Acadêmica Palestina para o Estudo dos Assuntos Internacionais (PASSIA, em inglês) as condições dos refugiados palestinos no Líbano são as piores: vivem em campos lotados, não têm cidadania ou nacionalidade, sofrem várias restrições empregatícias e são proibidos de adquirir propriedades.

 

Cooperação internacional

Em 2009, os EUA e a União Europeia eram os maiores doadores da UNRWA, mas, por conta da crise internacional e do corte dos gastos, ambos reduziram drasticamente a contribuição, enquanto a população de refugiados continua crescendo. Por outro lado, o Brasil recentemente incrementou em 700% a sua contribuição anual, o que significa que serão enviados 7,5 milhões de dólares à agência em 2012. O aumento foi anunciado em maio, pela Chefe da Representação Brasileira para a Autoridade Palestina na Cisjordânia, Ligia Maria Scherer.

Tanto Israel quanto a Autoridade Palestina recebem financiamento internacional para a sua subsistência. Além disso, comunidades judias de todo o mundo enviam dinheiro e apoio às mais variadas instituições israelenses, como museus, escolas religiosas, hospitais e sinagogas. É possível observar construções modernas e ambulâncias, por exemplo, frequentemente estampadas com os nomes das famílias que as financiaram.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) – órgão reconhecido oficialmente por 129 países como representante político do futuro Estado Palestino – recebe contribuições diretas de vários membros da ONU, como a Noruega, o Reino Unido, o Japão e os Estados Unidos. Também a UNRWA, através de doações de vários países, contribui com a realização dos trabalhos da ANP, como a construção de estradas e de unidades habitacionais.

São questões delicadas, que tocam diretamente a dimensão política do reconhecimento da ocupação e da condição dos palestinos, alguns dos quais vivendo em comunidades refugiadas. Transformar as áreas em que vivem, sob esse estatuto, em zonas efetivamente residenciais lhes tira a representação como vítimas, deslocadas em razão de um conflito ainda ativo. Além disso, não lhes proporciona melhores condições econômicas ou de subsistência, principalmente em se tratando do território sob bloqueio israelense. Os Palestinos continuam dependentes de ajuda externa, sujeitos às imposições israelenses e desprovidos de autonomia.

 

População e controle

A Faixa de Gaza é um dos lugares mais densamente habitados do mundo, com mais de 1,6 milhões de pessoas habitando menos de 400km2. A retirada militar israelense do território, em 2006, pode ser vista como uma forma de o Governo israelense se esquivar de qualquer responsabilidade pela população desta região, que se somariam aos palestinos já residentes em território israelense e na Cisjordânia, formando uma maioria sociopolítica ainda mais significante.

A questão demográfica no conflito Israelo-Palestino é fundamental e forma parte da política direta do governo, que estabelece metas populacionais a serem cumpridas. Um eficaz instrumento nessa empreitada é a população judia ortodoxa, que ainda não é obrigada ao serviço militar, como o resto dos israelenses judeus, e que recebe importantes subsídios do Estado. A sua contribuição, por assim dizer, se devolve com famílias altamente numerosas e com a manutenção do judaísmo como símbolo forte do Estado de Israel. Recentemente, porém, outros setores da sociedade judia e israelense vêm questionando a não obrigação ao serviço militar para os judeus ortodoxos.

Em 2010, o Ministro de Relações Exteriores Avigdor Lieberman apresentou à ONU um plano de trocas, como condição para a retomada das negociações de paz. Elas estavam estagnadas devido à recusa Israelense de renovar o seu compromisso de congelar os assentamentos judeus em território palestino.  O plano prevê a transferência da população árabe vivendo em Israel para o eventual Estado Palestino, em troca da retirada de assentamentos judeus na Cisjordânia. Os árabes israelenses eram cerca de 20% da população de Israel naquele ano, e se somaram à resposta indignada de muitos atores envolvidos no processo. A ideia de expulsar os habitantes árabes do território lembra propostas anteriores da extrema direita ultranacionalista, da qual o partido de Lieberman, Yisrael Beiteinu, faz parte.

Em outros casos, como os próprios muros construídos em diversos territórios, tanto israelenses quanto palestinos, a situação de apartheid, negada por Israel, é mais visível. Em um tour realizado pela ONG israelense Ir Amim em Jerusalém Oriental – parte do território palestino, de acordo com os planos de paz, mas controlado por Israel – pude conhecer os diversos bairros palestinos, submersos em condições de pobreza análogas às das favelas brasileiras. Logo em seguida a bairros residenciais israelenses em pleno território palestino – condomínios bem pavimentados, com parques e prédios modernos – estão bairros sem calçadas, com insuficientes escolas e mecanismos de administração civil, onde vivem os palestinos.

Em alguns casos, esses dois mundos podem ser vistos na mesma rua, separados por poucos metros. Isso acontece, segundo Ir Amim, mesmo enquanto os palestinos pagam regularmente os seus impostos para a administração civil de Jerusalém, governada por Israel. Não o fazem necessariamente por cumprirem seus deveres – principalmente não vendo nenhum sentido nesses impostos – mas, especialmente, por outro fator determinante: segundo leis israelenses, caso seja provado que um palestino abandonou a sua propriedade, a mesma pode ser confiscada. Uma forma de comprovar a permanência, portanto, é o pagamento de impostos.

A área de Jerusalém Oriental compreende 6,5km2 das fronteiras municipais pré-1967 e 70km2 da Cisjordânia, mas foi ocupada por Israel aos poucos, que acabou anexando-a e incorporando-a à área que reclama como sua capital administrativa. As reivindicações palestinas também determinam Jerusalém como capital do seu futuro Estado, e uma das soluções propostas por mediadores foi a administração internacional da cidade, já que ela tem extrema importância para as três religiões principais na região.

 

Ocupações e assentamentos

De acordo com a PASSIA, entre setembro de 2000, quando se iniciou a Segunda Intifada – levantamento palestino contra as políticas de ocupação israelenses – e agosto de 2008, cerca de 64 palestinos morreram ao serem impedidos ou atrasados nos postos de controle, a caminho de tratamento médico.

Ainda, segundo fontes da ONU, desde 1967 Israel deteve e encarcerou 700.000 palestinos, a maioria prisioneiros políticos. Em 31 de outubro de 2008, 8.256 palestinos estavam presos em instalações israelenses, incluindo 578 sob detenção administrativa e 291 crianças. A chamada “prisão administrativa” é uma medida extremamente arbitrária e permissiva prevista na Lei de Combatentes Ilegais, de 2002. Permite que meros suspeitos sejam detidos por um período renovável de 6 meses, sem acusação. Não desfrutam do estatuto de prisioneiros de guerra, previsto no Direito Internacional Humanitário, nem ao de detentos civis, numa violação evidente dos seus direitos humanos.

Há vários relatórios e pesquisas que indicam que as prisões e as transferências forçadas de prisioneiros são armas políticas usadas por Israel contra os palestinos, população que controla com leis extremamente arbitrárias e que julga através de um sistema judicial militar. Entre os casos específicos mais notórios, segundo a PASSIA e fontes do Ministério de Prisioneiros da ANP, em novembro de 2011 havia 304 crianças presas, 450 pessoas cumprindo prisão perpétua e 194 sob prisão administrativa. Além disso, dos 4.301 prisioneiros, à época, mais de 1.200 ainda aguardavam sentença.

Em outubro de 2011, porém, Israel e o partido político palestino Hamas, majoritário na Faixa de Gaza, concluíram um acordo de troca de prisioneiros: o soldado israelense, Gilad Shalit, capturado pelo Hamas anos antes, foi trocado por 1.027 prisioneiros palestinos em duas fases. O acordo levantou a discussão sobre o valor da vida palestina para os israelenses, além da questão sobre a sustentabilidade desse processo. Com base nas leis israelenses, suspeitava-se que parte desses prisioneiros libertos seria logo detida outra vez, apesar de muitos deles terem tido de deixar o país. Além disso, entre as duas fases de libertação, as forças israelenses detiveram ao menos 330 palestinos, segundo a PASSIA.

A organização estima ainda que, desde setembro de 2000, 8.000 crianças palestinas foram presas por diferentes períodos. De acordo com a ONG israelense para defesa dos Direitos Humanos, B’Tselem, o Serviço Prisional Israelense detinha, em outubro de 2011, 4.772 palestinos, incluindo 278 sob prisão administrativa. Do total, 150 eram menores de idade, sendo 30 deles menores de 16 anos.

Outras políticas de controle e ocupação incluem expropriações e destruição de terras, restrições de movimento e de residência, demolições de casas, e os já mencionados muros de separação. Aproximadamente 3,5% da Cisjordânia foram confiscados por Israel para assentamentos e estradas, e 29% são considerados área restrita. Em Gaza, Israel ainda controla 24% do território; cerca de 87km2 são usados como zona de controle militar.

Em 1995, o Acordo de Oslo II criou divisões jurisdicionais na Cisjordânia: Área A – sob administração e segurança da ANP, representando cerca de 17,2% do território urbano, atualmente; Área B – sob controle militar israelense e responsabilidade da ANP em matérias de administração e serviços civis, e que corresponde a 23,8% do território, majoritariamente ocupado por vilas; e a Área C, 59% do território, sob controle exclusivamente israelense.

Sob o regime de planejamento de Israel, construções palestinas são efetivamente proibidas em cerca de 70% da Área C. No restante espaço, outras restrições fazem com que obter uma licença para construção seja quase impossível. Os dados são da ONU e da PASSIA. Além disso, há instrumentos como a Lei de Ausentes da Propriedade, de 1950, que determina que qualquer pessoa que estivesse fora do território israelense – Gaza ou Cisjordânia, por exemplo, ou outros países árabes – entre 29 de novembro de 1947 e 1º de setembro de 1949 teria a sua propriedade confiscada pelo governo de Israel, sem possibilidade de apelo ou compensação. O período foi marcado pelo plano de partição da ONU, separando o território, sob mandato britânico desde 1923, entre árabes e judeus – que ficaram com 56,47% das terras da Palestina histórica, apesar de, à época, os judeus terem apenas 7% das terras e serem muito menos, em números, que os palestinos.

Os chamados assentamentos são violações do direito internacional, descritas em várias resoluções da ONU e na IV Convenção de Genebra. São foco de vários apelos por parte de outras nações e das reivindicações palestinas, que veem neles uma ameaça constante à viabilidade de um Estado Palestino. Em 2009, o governo de Benyamin Netanyahu declarou uma moratória na construção de novos assentamentos, mas, antes disso tinha acelerado a construção de 4.000 unidades residenciais israelenses em terras palestinas.

Em 2010, a população israelense assentada em território palestino era de 304.200 pessoas, de acordo com a CBS Dados, organização israelense. Outra organização, PCBS, conta 518.974 “colonos” israelenses. O número tende a aumentar, todavia, já que o Governo de Israel mantém programas de incentivo para atrair descendentes de judeus, jovens recém-formados e casais, muitos provindos dos EUA, para morar e aderir à nova nação israelense. Enquanto isso, o aumento da violência entre colonos e palestinos é constante, assim como a desinformação dos próprios israelenses sobre a situação.

 

Hebron: um microcosmo do conflito Israelo-Palestino

Para falar de uma experiência pessoal: andar pelas ruas de Hebron, na Cisjordânia, é tirar uma foto do conflito Israelo-Palestino. Tudo o que uma pessoa interessada pelo assunto lê nos relatórios das organizações internacionais e das ONGs de defesa dos direitos humanos, ou em notícias um pouco mais dedicadas, está lá. E no caminho até lá.

Desde a turística e belíssima Jerusalém antiga, saindo de seu portão Damasco – assim chamado por ser voltado a esta cidade síria, segundo uns, ou por ter sido construído por pessoas que vieram de lá, segundo outros – e caminhando pelas ruas comerciais ocupadas por bazares, é possível pegar um ônibus até Belém, que já fica em território Palestino. Fui acompanhada até a rodoviária pela Hibah, a moça palestina que conheci no hotel. Ela me guiou pelas ruas labirínticas dentro da cidade antiga de Jerusalém até o portão Damasco, passando por muitos bazares.

Para chegar a Belém é necessário passar por um dos postos de controle israelenses – ou os conhecidos check points –, chamado 300. Na ida, não foi necessário parar, e as pistas que se tem sobre o posto são os muros, as torres de vigilância e os soldados armados. Chegando a Belém, é preciso pegar outro ônibus até Hebron. Finalmente estou na Palestina, e ver as bandeiras erguidas em muitas esquinas é bastante especial. Recebo uma mensagem no celular, me dando as boas vindas a este país, como quando se chega a qualquer outro território nacional decentemente reconhecido.

Em Hebron, porém, a experiência se torna um tanto mais intensa. A cidade é conhecida por sua divisão em zonas militarizadas, em que há muitas famílias israelenses vivendo sob a vigia de soldados israelenses, em condomínios bastante destoantes, assentamentos em pleno território urbano palestino. Outra vez, nenhuma novidade. Porém, caminhar até a Mesquita de Abraão e ser questionada pelo soldado israelense, no posto de controle, sobre a minha religião, sim, foi uma novidade. Vê-los entrar pelas escadas que levam à Mesquita com os seus M-16 em punho, também, foi uma novidade, algo que um muçulmano não deve apreciar.

Nas ruas do mercado antigo, praticamente abandonado, conheci um guia palestino, empenhado em mostrar aos “turistas ativistas” a realidade em que ele vive. Pensei nessa nova modalidade de turismo a ser criada – ou nomeada, uma vez que já existe: o turismo ativista. Com um quase-cinismo de alguém realmente impotente, ouvi dele e de outros palestinos com quem conversei todas as críticas, importâncias e ênfases que os ativistas preocupados com a situação dos palestinos damos às diferentes camadas dessa realidade política, social e econômica tão violenta.

O que realmente me despertou esse pensamento foi quando um dos vendedores das poucas lojas abertas me explicou e quase me deu um certificado da produção local dos lenços palestinos que eu estava comprando. “É realmente feito aqui, é produção local, originalmente palestina, não é feita na China, nem em Israel”, dizia o senhor enquanto contava os meus shekels, a moeda israelense. Sou muito familiarizada com a iniciativa política bastante interessante de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) em que muitos palestinos e, outra vez, ativistas internacionais, estão se empenhando. Mas, ainda admirando a iniciativa – e tomando parte nela – não pude deixar de me sentir um pouco tola quando conversando com esses senhores, nas lojas.

Jamal, o guia palestino que me encontrou no bazar, me convenceu a segui-lo em um tour pela desgraça palestina. Eu estava em Hebron justamente por ler sobre a representatividade tão gráfica que esse lugar tem sobre o conflito. Começamos pelo próprio bazar, seguindo pelas ruas da cidade antiga de Hebron, e ele me levou pra ver as pracinhas de uns quatro metros quadrados, feitas entre os túneis-ruelas em que estão muitas casas. Mostrou-me alguns tijolos novos em ruas que cheiravam a esgoto, onde as crianças brincavam. Acompanhando esses novos tijolos e pracinhas havia placas já gastas de países como Alemanha, Espanha e, claro, Estados Unidos – através da sua agência para a cooperação internacional, a USAID – assinando a autoria da beneficência.

Depois disso, passamos por um dos postos de controle israelenses para chegar ao próximo bairro, entregando as nossas mochilas para serem revistadas e passando por detectores de metais. Entraríamos em um território misto, onde havia muitas famílias israelenses. Passaríamos de forma mais rápida, se os soldados fossem experientes e maduros, ou menos rápida se fossem mais jovens que eu, com seus 18 a 21 anos – faixa etária do serviço militar obrigatório – e estivessem flertando entre eles, com as suas armas a tiracolo. Também algumas soldados-Barbie, com seus longos cabelos loiros e óculos de sol, fazem parte da trupe que controla as vidas dos palestinos em filas, de senhores de idade ou jovens trabalhadores a mães de família, esperando para passar de uma rua a outra, até as 21h – quando os postos são fechados.

Em seguida, uma rua literalmente dividida no meio, que leva a um terraço panorâmico. Jamal me explica que temos que andar do lado direito, pois estou com ele, que é palestino. Os judeus andam do outro lado, e os carros têm que fazer alguma manobra especial um tanto confusa. Algum momento depois, entramos em outra rua emblemática, em que um mercado tradicional palestino subsiste com poucas lojas abertas – segundo Jamal, há mais de 1.000 lojas por essas ruas, mas apenas 100 funcionam, já que os comerciantes locais tiveram que deixar a cidade.

Nesta rua, as lojas são protegidas por redes metálicas acima, como uma rua com teto. O motivo é o constante arremesso de pedras e lixo dos israelenses, que vivem nos apartamentos, por cima do comércio palestino. Por outro lado, as suas janelas, assim como as janelas palestinas, são protegidas por grades ou simplesmente fechadas, também pelo constante arremesso de pedras uns contra as casas dos outros.

Seguindo adiante, a Rua Al-Shuhada, ou Rua do Mártir, é conhecida como “rua fantasma”. As casas e os comércios dessa bela rua de aproximadamente 1km, apesar de bem construídos, estão totalmente vazios e, em muitos casos, depredados. Os portões das lojas estão chumbados e as janelas das casas, destruídas. São por volta de 50 prédios abandonados só na cidade velha, pela violência entre israelenses e palestinos, pelos excessivos postos de controle e pela presença militar israelense. De fato, no final da mesma rua, passamos por outro posto de controle para entrar em um assentamento israelense, de decentes prédios residenciais, escola e sinagoga.

Há vários assentamentos como este em toda Hebron. Segundo Jamal, perto de sua casa, atrás da simbólica Mesquita de Abraão, moram ao redor de 400 israelenses. Há muitos, espalhados pela cidade, como Beit Hadassa, Beit Rumanu, Tal Irmida e Abraham Avinu, com mais ou menos 20 famílias cada. Do topo do terraço panorâmico em que ele leva muitos turistas-ativistas dá para ver bandeiras israelenses pintadas em caixas d’água, ou nos topos dos prédios, tudo disposto estrategicamente dentro do campo de visão das três torres de controle militar israelenses, instaladas nas colinas de Hebron. Dali Jamal me mostra também a escola construída pela agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA, em inglês), em meio às ruas vazias e aos postos de controle militar.

A sensação de insegurança, segundo Jamal, é constante. A presença militar israelense, os assentamentos e os comércios abandonados, além dos postos de controle e da má relação com os vizinhos judeus são fatores cotidianos que aumentam a tensão, para não falar da realidade de viver literalmente sob ocupação. As forças policiais da Autoridade Nacional Palestina (ANP) não podem carregar armas nessas regiões, por exemplo, mas a insatisfação com a instituição desperta o cinismo na voz dos palestinos, a quem pareço estar lembrando que ela existe quando lhes pergunto sobre o governo. Os Acordos de Oslo, assinados no começo dos anos 1990, supunham a restauração da autoridade palestina na região, mas Hebron foi um caso particular.

Com o chamado Acordo de Hebron, a cidade foi dividida em regiões: H1, sob autoridade palestina, em que os judeus não podem entrar; e H2, que era ainda habitada por mais de 30.000 palestinos e ficou sob controle militar israelense, com severas restrições de movimento, vários postos de controle, fechamento de comércios e toques de recolher para os palestinos. O motivo alegado é o de que lá vivem também centenas de judeus, devido a sua ligação religiosa com o local. Por isso, os palestinos não podem se aproximar das áreas em que vivem os judeus sem permissão das Forças de Defesa de Israel (IDF, a sigla em inglês).

Jamal conta que a cada 3 meses as forças israelenses entram em sua casa e reviram inclusive o seu quarto, numa programação constante de controle. À volta da casa dele há, pelo menos, 10 prédios abandonados, em que antes viviam palestinos. A ONU, em alguns momentos, tentou remediar a situação, num esforço por desacelerar o abandono da região e dos comércios, mas a insegurança física, social e econômica dificilmente permite que uma vida normal e decente seja parte da realidade palestina em Hebron. Às sextas-feiras muitos muçulmanos voltam à cidade para rezar na Mesquita de Abraão, mas deixam a região em seguida.

A volta de Belém para Jerusalém é diferente. É necessário parar no posto de controle 300, fazer uma fila, ser questionado e revistado pelos soldados, no caso dos palestinos. Como sou estrangeira, o motorista me pediu pra ficar no ônibus; os soldados subiram, me perguntam sobre o motivo da minha visita ao território Palestino, os nomes das pessoas que lá conheço e checaram o meu passaporte. No caso de outro posto de controle, tive que descer do ônibus, entrar na fila, responder aos soldados as mesmas perguntas e também sobre os nomes próprios dos meus pais, esperar que digitalizassem e introduzissem o meu passaporte no sistema de segurança, e que olhassem a minha mochila. Este é Calândia, um dos postos de controle mais conturbados, entre Ramallah e Jerusalém. Mas essa é uma outra história.

 

Ramallah, a jornalista e a diplomata.

De Jerusalém a Ramallah há um ônibus que sai também do portão de Damasco, da cidade antiga. Fiz esse trajeto duas vezes, primeiro para encontrar a jornalista israelense e judia Amira Hass, do Ha’aretz – o mais equilibrado porém não o mais lido jornal de Israel – e depois para conhecer a Chefe da Representação do Brasil para a Autoridade Nacional Palestina, Ligia Maria Scherer.

Chegar à capital administrativa da Palestina – assim chamada apesar da permanente disputa por Jerusalém – foi também bastante interessante. Ruas bastante comerciais, bairros residenciais, restaurantes, praças e bastante tráfico. Não fosse pela língua árabe, poderia dizer que estava na minha cidade, no Brasil, se bem que em Cuiabá ainda não tem Starbucks. A aparente normalidade com que se vive ali é simplesmente inexistente nas representações que a mídia geral faz daquela região.

Outra vez, não foi preciso parar no posto de controle de Calândia ao entrar em território palestino. O tráfico não estava tão intenso, o que tornou a viagem bastante rápida: em meia hora eu já estava no centro de Ramallah. As distâncias são bastante curtas se comparadas com a intensidade dos acontecimentos nessa região. É incrível pensar nas coisas que acontecem desse espaço tão pequeno, que toma uma dimensão exagerada na imaginação.

Conhecer a jornalista Amira Hass foi uma experiência bastante inquietante. O cuidado com a abordagem a uma pessoa tão envolvida no conflito me fez desajeitar a conversa inicial, o que foi corrigido com algum desajeito. Amira Hass era até pouco tempo a única jornalista israelense judia vivendo em território palestino, criticando tanto o governo de Israel quanto a Autoridade Nacional Palestina. Ainda assim, é tachada de traidora por alguns israelenses e de tendenciosa por alguns palestinos. Para a jornalista, a objetividade não existe e a busca por ela é hipócrita. De fato: um jornalista precisa arcar com as suas responsabilidades.

No café Pronto, Hass me conta sobre as coberturas que fez das operações militares de Israel e, em particular, sobre a Operação Cast Lead, das Froças de Defesa de Israel (IDF) contra Gaza, que durou quase um mês, entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, e que resultou na morte de cerca de 1.300 palestinos. A cobertura midiática local da operação é o meu objeto de investigação e o motivo principal da viagem.

Segundo Hass, a dependência que os jornalistas têm das informações providas pela ONU e por fontes locais independentes é uma constante, pois o acesso à Faixa de Gaza é dificílimo e as informações oficiais tanto de Israel quanto do Hamas, o partido dominante na região, são altamente manipuladas. Por isso, conseguir informações reais em tempo real é um luxo, assim como lograr dissociá-las da propaganda militar e política.

Publicar o que se descobre e o que se interpreta é também tarefa ingrata: Amira Hass publicou muitas matérias para o seu jornal, com testemunhos de soldados diretamente envolvidos nas operações, de vítimas e de atores políticos e com muitas informações precisas. Assim mesmo, a atenção que obteve não foi significante, nem mesmo do seu próprio jornal. Para Hass, a maior censura em Israel é a da própria população, conscientemente alheia ao que está acontecendo.

Um exemplo do tipo de informação crucial publicada por ela foi sobre a conduta dos soldados nas operações militares, tanto pelo seu envolvimento com as violações do Direito Internacional Humanitário, as normas internacionais na condução da guerra, quanto pela deliberada desinformação dos mesmos soldados, que atuavam praticamente às cegas. Amira Hass conta ter entrevistado vários soldados que não tinham a menor noção sobre o que estavam fazendo, que lhe transmitiam informações erradas e contraditórias, não por desinformar, mas simplesmente por não saber do que falavam.

Além disso, muitos soldados diziam ter a nítida sensação de que estavam em treinamento para guerras futuras, ou corrigindo erros de guerras recentes, como a Segunda Guerra no Líbano, em 2006. O uso intensivo de aviões não-tripulados – ou drones – é um exemplo. Segundo relatórios de organizações de direitos humanos e de acordo com a própria Hass, apenas cerca de 100 das 1.300 mortes de palestinos, naquele período, resultaram de combates em terra. O restante das mortes foi causado pelos ataques aéreos constantes das IDF – que só na primeira onda, na manhã do dia 27 de Dezembro de 2008, matou 205 palestinos, já somados em 225 no final do dia.

A alta densidade habitacional da Faixa de Gaza propiciou a intensificação dos resultados obtidos pelas IDF, com os seus ataques gravemente irresponsáveis, flagrantes violadores do Direito Internacional Humanitário. Ainda, o uso de armas químicas, como o fósforo branco, ou do tungstênio, em áreas habitadas são exemplos mais graves dessas violações; Israel, evidentemente, nega as acusações, dizendo que o material foi usado apenas em áreas inabitadas, para iluminar a noite.

Mas as críticas feitas por organizações como a Cruz Vermelha e por órgãos da ONU são atentamente consideradas pelas IDF. O Direito Internacional é ativamente instrumentalizado para que, nas próximas operações militares, a performance seja diferente, mas não o resultado. E, antes que os oficiais israelenses possam recorrer ao seu eterno argumento de vítimas do mundo – os únicos criticados pelo que todos fazem –, eles realmente não inventaram essa prática. O ex-General estadunidense Charles Dunlap, por exemplo, já havia mencionado uma lawfare, ou seja, a prática de usar o Direito Internacional Humanitário para a condução da guerra, e também para “justificá-la”, para argumentar contra críticas.

Já em outra direção foi o encontro com a Chefe do Escritório Representante do Brasil para a Autoridade Nacional Palestina, Ligia Maria Scherer, e com o Conselheiro Luiz Otávio Ortigão de Sampaio. Em Ramallah, o Brasil coloca em ativa o seu reconhecimento pelo Estado Palestino – cerca de outros 129 países reconhecem o Estado. O governo do Brasil estabelece ali uma representação diplomática ativa, dedicada, por exemplo, às relações com a UNRWA, a acordos políticos e econômicos com a Palestina, e a atividades culturais como as desempenhadas no campo de refugiados de Jenine, com a tradução de livros de teatro brasileiro para o Teatro da Libertação. Por outro lado, a diplomacia irresponsável em geral tem um grande peso na manutenção dessa guerra.

 

E o Direito Internacional

Por um lado, a União Europeia e os EUA mantêm relações comerciais e militares importantes com Israel, sobretudo através de um Complexo Militar Industrial, que mantém um fluxo constante de armas entre Israel e as duas potências. Continuam criticando as ocupações de terra palestina pelo Governo Israelense ou por grupos de israelenses autônomos – que às vezes são expulsos com grande estardalhaço por um Governo que quer mostrar serviço para os seus patrocinadores; ainda, reconhecem algumas violações de direitos humanos e o direito da Palestina de eventualmente ser um Estado independente.

Porém, a eterna retórica assentada sobre a prioridade da segurança de Israel lhe permite postergar o reconhecimento de um país que já existe, ao lhe barrar a entrada em órgãos como a ONU, ao negar-lhe resoluções no Conselho de Segurança de condena a Israel, pelas suas condutas cotidianas de opressão, e ao impossibilitar-lhe que o Direito Internacional Humanitário sirva também a sua humanidade.

Em abril deste ano, o Tribunal Penal Internacional respondeu negativamente ao pedido da Autoridade Palestina de investigação do ocorrido durante a Operação Cast Lead, já que a Palestina ainda não é um Estado reconhecido internacionalmente por quem importa e, por isso, não poder referir casos ao Tribunal. Numa jogada também política, o promotor Luis Moreno Ocampo sugeriu à Autoridade Palestina que recorresse ao Secretário Geral da ONU, que teria de levar a petição ao Conselho de Segurança, como um caso excepcional. Isso provocaria uma situação em que os membros do CS deveriam se pronunciar e votar pelo caminho a ser tomado.

Enquanto isso, o juiz Richard Goldstone, chefe da Missão de investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU para a Faixa de Gaza, publicou o relatório final da sua missão em setembro de 2009. Goldstone descreve as condutas do Governo de Israel e dos grupos armados de Gaza, inclusive das Brigadas El Ezedeen Al Qassam, braço militar do Hamas. Classifica vários episódios de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas toda a política envolta no processo de nomear condutas e crimes tão sérios, apesar de fundamental, nem sempre é tão clara. Por isso, o juiz Goldstone foi rechaçado por parte da comunidade judia da qual é parte e a investigação, o relatório e a justiça não vingaram. Até hoje, 1.300 vítimas palestinas e 13 civis israelenses seguem no limbo.

O Direito Internacional tem muitas lacunas, e as potências internacionais conseguem, ainda, apoiar seus aliados por atalhos já desbravados, em guerras passadas e contemporâneas. Os palestinos, por outro lado, têm investido em outras regras para contornar os impedimentos ao reconhecimento do seu Estado. Inscrever-se para a entrada na ONU ou, menos diretamente, aos seus órgãos, os tem levado por caminhos interessantes e reinstaurado o debate internacional sobre a sua condição.

A entrada na Unesco lhes possibilita começar o processo para o reconhecimento de sítios arqueológicos em Belém e das terras históricas de agricultura em Battir como patrimônio da humanidade ou histórico, por exemplo. Nessa região, várias famílias trabalham a terra usando sistemas de irrigação do período romano, e várias ruínas e tumbas do período Otomano foram encontradas; colocá-la sob proteção internacional deve servir para barrar a construção iminente de residenciais e “barreiras de proteção” israelenses. Por outro lado, ter de usar de subterfúgios como esse para a proteção de direitos básicos é inaceitável, mas pode funcionar. Por enquanto.

 

*Moara Crivelente é cientista política está terminando o Mestrado em Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e Sociais na Universidade Autônoma de Barcelona.


A criação do “Estado” de Israel – uma breve cronologia

23/11/2012

Do sítio do Brasil de Fato

22/11/2012

Elaine Tavares

Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos. Destino de violência, morte e dor. Havia acabado a segunda grande guerra, guerra feia, dura, grotesca. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apareciam à seus olhos como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os vencedores, comandados pelos Estados Unidos decidiram que havia de dar uma terra essa gente oprimida, roubada e esfacelada.

O lugar escolhido para a criação de um estado judeu foi a região da Palestina, por ali estar também o núcleo originário do povo hebreu. Naquele espaço haviam nascido as 12 tribos de Judá e era para onde os judeus sonhavam voltar. Mas, esse desejo nunca foi discutido ou compartilhado com as gentes que ali viviam há outras centenas de anos, os palestinos. Então, numa decisão vinda de cima para baixo, os 57 países que conformavam a ONU naquele então decidiram entregar 57% do território palestino para a formação do Estado de Israel. O argumento era de que lá não havia gente, era deserto, portanto, livre para ser ocupado. Mas, essa não era a verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima, Marta e Rachid. Ainda assim, numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha – qualificado por Alfredo Braga como um desonesto – 25 países votaram pelo sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram. Nascia então, por desejo dos vencedores da grande guerra, o estado de Israel. Já para os palestinos, aquele dia ficou conhecido como o “dia da catástrofe”.

Contam os historiadores que, naqueles dias que antecederam a votação – bastante tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de visom. Portanto, foi alavancado na corrupção que vingou Israel.

A proposta da ONU foi de metade do território, o que deixa bem claro que todos sabiam que aquela não era uma terra vazia. A conversa nos corredores é de que também seria criado um Estado Palestino e cada povo seguiria seu rumo. Para os que viviam na terra doada aos judeus, os meses que se seguiram foi de terror. Famílias inteiras tiveram de deixar suas casas, seu olivais, sua história. A maioria foi desalojada na força, e muitos não entendiam o que se passava. Como suas terras tinham sido doadas? Naqueles tristes dias de nada adiantou o grito da gente palestina, não se soube dos mortos, nem da destruição. A informação demorava a chegar nos lugares. Quando o mundo se deu conta do terror, já era tarde demais.

Tão logo se instalou, o governo israelense decidiu ampliar seus domínios. Não aceitou a metade, queria mais e abocanhou, na força das armas, 78% do território. os palestinos tiveram de migrar, abandonar suas vidas e tudo o que era seu. O Estado da Palestina nunca foi criado.

Todo o terror imposto por Israel ao povo palestino não terminou por aí. No ano de 1967, o governo sionista, de novo com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território em busca do domínio das regiões mais férteis, passando a ocupar mais de 80% da área,  massacrando outras tantas milhares de famílias palestinas.

Ao longo desses anos todos, por várias vezes Israel arremeteu contra o povo palestino, numa tentativa de dizimar a população. Sem conseguir, decidiu criar então um imenso campo de concentração à céu aberto. Praticamente todo o território ocupado por palestinos está cercado por enormes muros de concreto. As pessoas vivem como prisioneiras, muitas famílias foram separadas e não podem mais se ver. Muitos são os documentários que mostram as famílias se comunicando através dos muros e cercas de arame farpado, aos gritos, sem poderem se abraçar.

Nos últimos dias, Israel começou nova escala de violência, com bombardeios à Faixa de Gaza, onde se concentram os palestinos. O argumento que a televisão e as empresas de jornalismo passam é o que fala de “direito de defesa” de Israel. Vendem a ideia de que é esse estado militarizado e terrorista o que está sendo agredido.

Ora, qualquer pessoa de mediana inteligência sabe que a força de um menino com uma pedra é abissalmente inferior a de um canhão ou mísseis teleguiados. Israel quer destruir o povo palestino, quer “limpar a área”, região absolutamente estratégica para a proposta de poder dos Estados Unidos, principal parceiro de Israel nesse massacre continuado.

A resposta dos palestinos é a resposta dos desesperados. Pessoas como Fátima, Rachid, Hadija ou Kaleb nada mais querem do que viver suas vidas, estudar, sonhar com algum amor, casar, ter filhos, comer azeitonas no cair da tarde. Uma vida como a de qualquer ser humano no mundo. Mas, eles não podem fazer isso. Estão continuamente humilhados,  ameaçados pelas balas, pelos soldados, pelos tanques, pelos bombardeios. Vivem em alerta 24 horas no dia. Quando podem, reagem. Com pedras, com bombas caseiras, com autoimolação. Sim, respondem às vezes com violência extrema, mas nada menos do que o que aprendem no cotidiano de uma vida de prisioneiro em sua própria casa, acossado pelo exército invasor.

Agora, nesses dias, as famílias palestinas estão vendo morrer seus filhos, crianças despedaçadas, jovens estraçalhados. Morrem mães e pais, avós, gente simples, que está no quintal varrendo as folhas. Garotinhos que brincam nas ruas de terra. Não são terroristas, nem carregam armas. São pessoas comuns, calejadas na opressão. Não é uma guerra, onde se batem os exércitos. É um genocídio, um massacre, no qual perecem as pessoas comuns.

Pelo mundo inteiro gritam as gentes, as imagens de dor se espalham pela internet, o mundo inteiro sabe o que acontece  no imenso campo de concentração que Israel criou. Mas, toda a ação das gente é inútil. As bombas seguem caindo, armas químicas são usadas (o fósforo, que queima inteira a pessoa) e o que se vê são os governantes do chamado “mundo livre” apoiando a ação de Israel. Os Estados Unidos, que invadiu o Iraque por uma “suspeita” de que estavam fabricando armas químicas por lá, observa o uso das mesmas sobre os palestinos e diz que é um “direito de defesa” de Israel. Ou seja, se quem usa armas químicas é amigos dos EUA, está tudo bem. Hipocrisia, cinismo.

Para os movimentos sociais e militantes da causa humana, o que fica é o absurdo sentimento de impotência. Desde tão longe só o que se pode fazer é gritar, denunciar, contar essa velha história para que ela não se perca no meios da mentiras que os noticiários contam todos os dias. O conflito Israel x Palestina nada tem de religioso. Usa-se a religião para legitimar determinadas ações, os judeus julgam-se o “povo eleito”. Mas, o que se esconde por trás da aparência é a configuração geopolítica de poder. Os palestinos estão num espaço da terra que é muito importante para o projeto de dominação do Oriente Médio. Ficam na entrada principal e não são amigos dos Estados Unidos. Por isso é necessário que sejam extintos.

As bombas seguem caindo sobre as famílias palestinas, dor e morte é o que têm. Mas, os palestinos seguem defendendo sua terra e suas vidas. Não haverão de se extinguir. Estão por todo o mundo e nunca esquecerão sua história.  Cabe a nós solidarizar com esse povo valente porque nada no mundo justifica o que acontece hoje na Palestina ocupada. Israel haverá de responder à história pelos seus crimes. Mais dia, menos dia. Porque, se como dizia o grande poeta Mahmud Darwish, “ainda goteja a fonte do crime”, há que estancá-la.